Concurso, CorreioWeb, Brasília, DF

Festa sem fim

28/07/2014 15:24

Dizem que Deus está com mania de grandeza. Ele, verde-amarelo da gema, cochilou. Não deu outra. O Brasil levou sete da Alemanha. O Senhor ficou triste. Chorou. Com ele, 210 milhões de adultos e crianças. O papai do céu, ao ver os rios de lágrimas que cobriram a alegre Pindorama, reagiu. Mandou a desolação bater asas e voar. E foi além. Decidiu promover uma festa em casa. Os convidados teriam de ter ótimo papo e histórias sem fim pra contar.

Quem? O primeiro a entrar sem pedir licença foi o baiano João Ubaldo Ribeiro. Sorriso franco, andar gingado, fala mansa, lá foi ele. Seguiu-o Rubem Alves. Estava feliz. Não precisava mais olhar pra cima pra ver o dono da casa. Criador e criatura olharam-se nos olhos. Por fim, chegou Ariano Suassuna. Vestido de branco, com mil casos pra contar, o paraibano não perdeu tempo. Começou a aula espetáculo.

E nós?
Humanos, somos egoístas. Lamentamos a perda. Mas, logo, logo, caímos na real. O trio joga no time dos imortais. O corpo se vai, mas a obra fica. Para ressuscitá-los, basta abrir um livro e ouvir as histórias que contam. São tantas que levantam uma dúvida. Repórteres falam em dar o "último adeus" ao artista que se foi. A questão: último adeus é pleonasmo?

Não. Ao longo da vida, damos adeus quando uma pessoa parte. Mas ela volta e enseja outros adeuses. No caso da ida definitiva, o último adeus pede passagem.

Caetana
Que medão! Muitos acreditam no poder mágico das palavras. Elas atrairiam o mal que nomeiam. É o caso de câncer. Pra falar da doença, pessoas recorrem à sigla CA. Ou de diabo. Pra fugir da amedrontadora criatura, supersticiosos apelam para cão, capeta, demo, bicho, anjo rebelde, anhangá, beiçudo, coxo, coisa ruim. Valha-nos, Deus. Vade retro, satanás!

Morte não fica atrás. Pra fugir da dissílaba, vale tudo: passamento, viagem, ida para a companhia do Senhor, passagem desta pra melhor, espichar a canela, vestir paletó de madeira, bater as botas. Manuel Bandeira chamava-a "a indesejada das gentes". Ariano Suassuna, Caetana. Segundo ele, mulher linda e carinhosa.

Fugir das palavras assustadoras tem nome. É eufemismo. Com ele, adocica-se o termo que choca, causa dor ou provoca imagens desagradáveis. A saída? Apelar para outra, mais branda.

Eles disseram
"Para mim Miguel de Cervantes não tinha defeito. E, se tinha, eu não digo. Ele escreveu Dom Quixote para ridicularizar Dom Sebastião. Mas acontece que ele se apaixonou pelo personagem." (Ariano Suassuna)

***

"Encaro, geralmente, com imenso tédio o papo de um homem de letras. Não tenho interesse literário. Eu li por circunstâncias da vida. Fui criado numa casa cheia de livros, tive um pai muito rigoroso em relação à minha formação e, ao mesmo tempo, muito liberal no meu contato com esses livros. Eram milhares e milhares de livros. Um casarão cheio de livros. Então eu li. Li muito, mas hoje não sou um velho de letras preocupado como vão as coisas do mundo literário brasileiro, quem são os novos autores que surgiram. Não sou realmente um bom papo de letras." (João Ubaldo Ribeiro)

***

"Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado." (Rubem Alves)

Leitor pergunta

Os numerais ordinais se grafam com hífen?
Carmem Leite, Porto Alegre

Qual o quê! Eles olham o tracinho e esnobam: "Não, agradecidos". Viram as costas e continuam livres e soltos: décimo primeiro, vigésimo quinto, centésimo sexto.

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