Concurso, CorreioWeb, Brasília, DF

A crise verdadeira

02/12/2016 12:49

Dad Squarisi

Recado
“Tudo aquilo que malandro pronuncia com voz macia é brasileiro. Já passou de português.”
Noel Rosa


A crise verdadeira
“Meu afastamento se deve à questionamentos sobre minha isenção”, escreveu José Saraiva, membro do Conselho de Ética Pública da Presidência da República. Ele advoga para uma associação de construtoras da Bahia. Uma delas está à frente do prédio no qual o ministro Gedel Vieira Lima  comprou um apartamento. Só que... a obra rouba a vista da Salvador histórica. Foi embargada.
Lá da capital baiana, o arranha-céu provocou crise em Brasília. Gedel pediu ao ministro da Cultura que desse um jeitinho no embargo. Não esperava a reação. Sua Excelência se demitiu e pôs a boca no mundo. O Conselho foi convocado. José Saraiva, com interesse pessoal no caso, caiu fora.
Na carta de afastamento, a verdadeira crise. O homem pisou a língua sem piedade. Ao escrever “à questionamentos”, esqueceu-se de pormenor pra lá de importante. Nome masculino rejeita a crase como o diabo rejeita a cruz. É que o grampinho indica o casamento de dois aa. Um é a preposição. O outro, o artigo a. Sem o casal, nada feito.

Lição de Aristóteles
“Qualquer um pode zangar-se – isso é fácil. Mas zangar-se com a pessoa certa, na medida certa, na hora certa, pelo motivo certo e da maneira certa – não é fácil.”

No time comum
Alguém tem coragem de dizer que é a favor da corrupção? Embora haja muitos adeptos do passar a mão nos recursos do erário, ninguém declara abertamente ser pró-roubalheira. Mas, na prática, não faltam candidatos loucos pra engordar a conta bancária com jeitinhos pouco ortodoxos.
Pra frear a desenvoltura com que os amigos do alheio agem neste país tropical, tramita no Congresso projeto anticorrupção. Anticorrupção? A grafia da palavra suscitou dúvidas. Por que o hífen não tem vez? Resposta: anti- joga no time da maioria dos prefixos. Pede o tracinho quando seguido de h ou de letras iguais (no caso, i). No mais, é tudo junto: anti-herói, anti-impacto, antieducação.

Pais e filhos
A Justiça apanha sem dó nem piedade. De um lado, sofre sobrecarga de processos. De outro, demora na solução. Acusam-na de morosidade. Todos querem rapidez. Com razão. Por que não se busca um jeito de dar um jeito? 
Enquanto a resposta não vem, vale uma diquinha de português. Rapidez se escreve com z porque é substantivo abstrato derivado de adjetivo (rápido). Exemplos pululam na língua: maciez (macio), limpidez (limpo), timidez (tímido), surdez (surdo), mudez (mudo), altivez (altivo), morbidez (mórbido).

Se
“Impõe-se uma reforma para obter agilidade da Justiça” ou “para se obter agilidade da Justiça”? Cuidado, muito cuidado. O se não tem vez com o infinitivo: Impõe-se uma reforma para obter agilidade da Justiça. A forma mais exitosa de aprender a tabuada é a repetição. Para morar bem, é importante investir em infraestrutura. 
O pequenino só acompanha o infinitivo com verbos pronominais: Para se aposentar aos 65 anos, é preciso começar a trabalhar cedo. Para se formar em quatro anos, é imprescindível não deixar disciplinas pra trás. A melhor forma de se manter no poder é ouvir a sociedade. 

Depende
Ora justiça se escreve com inicial grandona. Ora, com inicial pequenina. Quando usar uma forma ou outra? Com pedigree a trissílaba quer dizer Poder Judiciário. Nos demais casos, é vira-lata mesmo: A Justiça ordenou o pagamento dos servidores. Fez justiça com as próprias mãos. Não age com justiça.

Mérito
É excelência pra lá, excelência pra cá. Magnífico pra lá, magnífico pra cá. Meritíssimo pra lá, meritíssimo pra cá. Ops! Meritíssimo é o tratamento dado a juiz. Cuidado com a troca de letra. Se você disser ou escrever “meretíssimo”, ofende Sua Excelência. O pobre ezinho no lugar errado lembra meretriz. É cadeia certa.

Leitor pergunta
Vejo a duplinha caixa dois escrita de diferentes formas: com hífen, sem hífen, com numeral, sem numeral. Qual a grafia nota mil?
Sereno Gonçalves, Porto Alegre
Caixa dois se escreve assim. Ou assim – caixa 2.
 

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