Recado
“Sabe por que pássaro se escreve com dois ss? Porque é no encontro das duas consoantes que se dá o movimento das asas.”
Bartolomeu Campos Queirós
Misericórdia divina
O papa Francisco avançou no alcance da misericórdia. Antes, para ser perdoada, a mulher que praticou aborto tinha de recorrer ao bispo. Agora o padre pode fazê-lo. Não deixar um ser humano nascer continua crime para a Igreja, mas a absolvição tornou-se mais fácil. “Não há pecado que ultrapasse a misericórdia de Deus”, disse o pontífice.
O anúncio da boa-nova trouxe perplexidade e, com ela, tropeços linguísticos. Confusão de grafia e de regência fez a festa. Dois verbos sobressaíram. Um deles: absolver. O outro: perdoar. Levantar-se e dar a volta por cima é fácil como tirar chupeta de bebê. Quer ver?
Absolver x absorver
Uma letra faz a diferença. Absolver significa perdoar, remir. Absorver, sorver, consumir: Deus absolve os pecados. O juiz absolveu o réu. O esforço lhe absorveu a energia.
Perdoar
O vício de Deus? É perdoar. Daí a generosidade do verbo. Ele pode jogar em quatro times:
1. Intransitivo, sem complemento: Perdoa para seres perdoado.
2. Transitivo direto (perdoar alguém ou alguma coisa): Deus perdoa as ofensas. Perdoai os nossos pecados, Senhor. O pai perdoa o filho.
3. Transitivo indireto (perdoar a alguém): A Receita perdoa aos devedores. Deus perdoa aos pecadores. Perdoou aos assassinos do filho.
4. Transitivo direto e indireto (perdoar alguma coisa a alguém): O patrão perdoou aos empregados as falhas cometidas. Deus lhes perdoou os pecados. A lei perdoou a dívida aos devedores.
Conjugação
A regência muda. Mas a conjugação se mantém. Perdoar pertence à equipe dos verbos terminados em –oar. É o caso de voar, abençoar & cia.: perdoo (voo, abençoo), perdoa (voa, abençoa), perdoamos (voamos, abençoamos), perdoam (voam, abençoam). E por aí vai.
Reforma
Reparou? A reforma ortográfica cassou o chapeuzinho que o hiato oo exibia: perdoo, voo, abençoo, coroo.
Palavra adocicada
Acreditamos que as palavras são mágicas. Pronunciadas, atraem o bem e o mal. Pra dar o recado, recorremos ao eufemismo. É como se adoçássemos a palavra. Morte é a campeã das assustadoras. Em vez da dissílaba, dizemos viajou, se foi, partiu, foi desta pra melhor. E por aí vai.
A imaginação não tem limites. Michel Temer criou um neologismo. Como quem não quer nada, disse que no governo Dilma se registrou “deficit de verdade”. Em bom português: faltou verdade. Melhor: mentiu.
Novidade na praça
O Dicionário Oxford, dos melhores da língua inglesa, elege a palavra do ano. A de 2016 foi pós-verdade. A duplinha quer dizer que há pessoas impermeáveis à verdade. Apesar de fatos e provas, continuam acreditando nas próprias crenças, nos preconceitos que construíram ao longo da vida.
Olho vivo!
A Black Friday nasceu nos Estados Unidos. Nós a copiamos. Na sexta-feira o comércio baixa tanto os preços que as pessoas compram tudo de que precisam e não precisam pra aproveitar as ofertas.
No Brasil nem sempre ocorre o mesmo. De olho na data, comerciantes aumentam o preço da mercadoria dias antes. Na sexta, reduzem-no. Ou seja, dizem que o reduzem. Na verdade, voltam ao preço inicial. Trata-se do desconto maquiado.
Ele traz às páginas o verbo maquiar. Ele pertence à 3ª conjugação. Conjuga-se como premiar: eu premio (maquio), ele premia (maquia), nós premiamos (maquiamos), eles maquiam (premiam). E por aí vai.
Leitor pergunta
Ouvi dizer que acabamento final é pleonasmo. Verdade?
Carla Bonfin, Porto Alegre
Todo acabamento é final. Basta acabamento.