Recado
“Quem não lê, mal fala, mal ouve, mal vê.”
Monteiro Lobato
Pausas e manhas (2)
A história é velha. Tão velha quanto o rascunho da Bíblia. José Cândido de Carvalho conta o episódio. Freixeiras, funcionário da Companhia de Água e Esgotos do Rio de Janeiro, tinha um grande orgulho. Era a única pessoa na repartição que sabia pôr as vírgulas no lugar certo. Todos o reverenciavam por isso. Ninguém ousava contrariá-lo.
Mas, como diz o povo sabido, não há bem sempre dure nem mal que nunca se acabe. A fila anda. Um dia chegou o novo chefe. Ao assinar a correspondência, pediu a Freixeiras que tirasse certa vírgula de certo lugar. Freixeiras tremeu. Que ousadia! Ficou duas horas remoendo tira-a-vírgula-não tira-a-vírgula. Finalmente, decidiu-se. Foi à sala do diretor e disse:
– Ou eu ou a vírgula.
A demissão do virgulino obrigou os demais servidores a deixar o comodismo. Para garantir o emprego, decidiram estudar. Consulta daqui, pesquisa dali, descobriram o óbvio: o diabo não é tão feio quanto o pintam. O emprego da tão temida pausa obedece a três regras -- separar termos coordenados, termos explicativos e termos deslocados. A coluna colabora no desvendar os mistérios. A passada tratou dos termos coordenados. Esta continua o assunto.
Vírgula (2)
Há termos coordenados que suscitam perguntas mais frequentes que outros. Um deles é o etc. As três letrinhas dão nó nos miolos. Muitos arrancam os cabelos só de pensar no enfrentamento. Melhor respirar, parar e acreditar que, no fundo, se trata de cortina de fumaça. Basta conheceras as manhas do trio. Aí, a resposta vem fácil como andar pra frente.
Etc.
Sabia? Etc. é recurso de preguiçoso. A gente pode muito bem viver sem ele. O segredo está na conjunção e. Compare:
Gosto de cinema, teatro e literatura. (O e dá o recado: é só disso que gosto.)
Gosto de cinema, teatro, literatura. (A ausência do e indica que gosto de muitas outras coisas.)
Acertar ou acertar
Você faz questão do etc.? OK. Mas, volta e meia, pinta a dúvida. Ele deve ser antecedido de vírgula? A questão procede. Afinal, as três letrinhas são a abreviatura de (e) (t)antas (c)oisas. Portanto, há um ezinho aí presente.
Mas muitos esqueceram a etimologia da palavra. Afirmam que a criatura é tão antiga que as pessoas de memória curta lhe esqueceram a origem. Tratam-na, então, como se fosse um vocábulo qualquer. E daí? Com vírgula ou sem vírgula? Tanto faz. Você decide. É acertar, ou acertar.
Gosto de cinema, teatro, literatura (e) etc.
Um só
Etc. Tem ponto no final? Tem. Coincide com o ponto no fim da frase? Sem problema. Fique com um só: Comprei laranja, maçã, pêssego, abacaxi etc. (A vírgula é facultativa. Prefiro dispensá-la.)
Leitor pergunta
Um deputado apresentou várias emendas. Ao dar satisfação ao eleitor, disse que se tratava de emendas parlamentar. Usou o adjetivo no singular porque a autoria é de uma só pessoa. Ele está certo?
Bia Cortez, Brasília
Não. O adjetivo deve concordar com o substantivo: emenda parlamentar, emendas parlamentares.
Para frisar que todas as emendas foram apresentadas por ele, Sua Excelência precisa lançar mão de outra forma de dizer. Valem dois exemplos: emendas de minha autoria, emendas por mim apresentadas.