Recado
“Fatos são simplesmente fatos. Não aceitam adjetivação.”
Paulo Cesarino Costa
Pausas e manhas (9)
Vocativo pertence à família de vocação. Ambos vêm do latim vocare, que significa chamar. Vocação é o chamamento do coração. Vocativo, o chamamento do ser a quem nos dirigimos. Seguir a vocação é atender a voz interior, ouvir o apelo da alma. Recorrer ao vocativo é alimentar a esperança de ser ouvido.
Talvez por ser tão importante, o vocativo se sente especial. Tão especial que não se mistura. Recusa-se a fazer parte dos termos essenciais, integrantes ou acessórios da oração. Mantém-se à margem. Por isso vem sempre – sempre mesmo – separado por vírgula. Veja:
Maria, você pode fechar a porta?
Você, Maria, pode fechar a porta?
Você pode, Maria, fechar a porta?
Você pode fechar a porta, Maria?
Mais exemplos
Paulo, tome um banho quentinho.
Tome, Paulo, um banho quentinho.
Tome um banho quentinho, Paulo.
*
Alô, Sílvio, tudo bem?
Alô, tudo bem, Sílvio?
*
Deus, ó Deus, onde estás que não me escutas?
Onde estás, Deus, ó Deus, que não me escutas?
Onde estás que não me escutas, Deus, ó Deus?
*
Viu? O vocativo aparece em diferentes lugares – no começo, no meio e no fim do período. Sem se importar com a posição, mantém a característica. Isola-se.
Truque
Muitos confundem o sujeito e o vocativo. Como separar alhos de bugalhos? É fácil. O vocativo pode ser antecedido de ó. O monossílabo, empregado com naturalidade, sem forçar a barra, denuncia o chamamento.
Pra frente, (ó) Brasil!
(ó) Brasil, pra frente.
Fora, (ó) corruptos.
(ó) Corruptos, fora.
(ó) Motorista, siga as instruções.
Siga as instruções, (ó) motorista.
Cadê o sujeito?
O ó identifica o vocativo. Mas... cadê o sujeito? Está oculto. Daí a confusão de gregos, romanos e baianos. Veja a manha:
Paulo, tome (você) um banho quentinho.
Deus, ó Deus, onde (tu) estás que não me escutas?
Paulo e Luís, vamos (nós) ao clube?
Fato 1
Há uma frase repetida de norte a sul do país. Com certeza você já a repetiu ou ouviu alguém repeti-la. Ei-la:
*Mãe só tem uma.
Fato 2
A dona de casa se preparava para receber a visita. Queria fazer bonito. Enquanto servia lanche, pediu ao filho que pegasse duas garrafas de refrigerante na geladeira. Ele foi e voltou com a notícia:
– Mãe, só tem uma.
Viu? A vírgula transformou mãe em vocativo. Que diferença!
Mãe só tem uma.
Ó mãe, só tem uma.
Leitor pergunta
Quais das frases abaixo estão corretas?
Esta agenda pertence a Márcia.
Esta agenda pertence à Márcia.
Esta agenda pertence a Breno.
Esta agenda pertence ao Breno.
Márcia Kasai, lugar incerto
Todas estão corretas. O xis da questão é o nome de pessoas. Em algumas regiões, ele aceita o artigo. Dizemos a Maria, o Breno. Em outras, dispensa o pequenino. Dizemos simplesmente Maria, Breno.
Como a crase é o casamento de dois aa, o sinalzinho da crase denuncia que usamos artigo antes do nome próprio. A ausência, que não usamos. O a, então, é a preposição exigida pelo verbo pertencer (alguma coisa pertence a alguém).
***
Lesão sub-insular ou subinsular? A ausência do hífen me dá a impressão de pronúncia incorreta, tirando a pausa entre o sub- e a ínsula, tornando uma palavra nova de pronúncia estranha.
Marco Antônio Lara, lugar incerto
O prefixo sub- pede hífen quando seguido de h, b ou r (sub-herói, sub-bloco, sub-raça). No mais, é tudo colado: subinsular, subestimar, subsolo.