Concurso, CorreioWeb, Brasília, DF

Decifra-me ou te devoro

Clarice Lispector: "Eu rasgo o verbo porque não posso rasgar o sujeito."

10/05/2017 10:00 | Atualização: 22/05/2017 16:21

Dad Squarisi

A capa da Veja alvoroçou as bancas. O auê não tem a ver com as notícias. Tem a ver com a língua. Duas chamadas puseram pulgas atrás das orelhas de leitores e curiosos. Uma delas: “Por que a libertação de José Dirceu só fortalece a Lava-Jato”. A outra: “O primeiro encontro cara a cara”. Dois grupos se formaram.


De um lado, os que apostavam no erro. Diziam que o porquê separado só figura em perguntas. Como o enunciado não tem o sinal de interrogação, deixar um pedaço lá e outro cá é sinal de primário malfeito. De outro, os que juravam ser a construção abonada pela norma culta. Em outro aglomerado, discutia-se a crase. Cara a cara pede o acentinho grave? E daí? Como diz o esquartejador, vamos por partes.

O porquê dos porquês

Estudantes, jornalistas, advogados, todos querem saber por que o porquê tem tantas caras. Ora aparece junto. Ora, separado. Ora com acento. Ora sem o chapeuzinho. Não há quem não hesite na hora de escrever uma forma ou outra. Muitos chutam. Mas, como a língua não é loteria, a Lei de Murphy entra em vigor. O que pode dar errado dá. Melhor não correr riscos. O caminho é dar uma estudadinha no assunto. Aprendidas as manhas da caprichosa criatura, empregar uma ou outra forma torna-se fácil como andar pra frente. Quer ver? Use:

Por que

1. nas perguntas: Por que os professores estimulam a leitura? Por que a evasão escolar é alta no Brasil?

2. nos enunciados em que é substituível por "a razão pela qual": É bom saber por que (a razão pela qual) os professores estimulam a leitura. Explique por que (a razão pela qual) a evasão escolar é alta no Brasil. Por que (a razão pela qual) a libertação de José Dirceu só fortalece a Lava-Jato.

Por quê

A dupla com chapéu só tem vez quando o quezinho for a última — a última mesmo — palavra da frase. Por quê? Ele é átono. No fim do enunciado, torna-se tônico. O acento lhe dá a força: Os professores estimulam a leitura por quê? A evasão escolar continua alta, mas poucos sabem por quê. Que tal descobrir por quê?

Porque

Com essa cara, juntinho, sem lenço nem documento, porque é conjunção causal ou explicativa: Os professores estimulam a leitura porque bons textos enriquecem o vocabulário. A evasão escolar é alta porque muitas crianças trabalham em vez de ir à aula. Trabalhe, porque você precisa pagar as contas.

Porquê

Assim, coladinho e com chapéu, o porquê torna-se substantivo. Para mudar de classe, precisa da companhia do artigo ou de pronome: Explicou o porquê da evasão escolar. Certos porquês quebram a cabeça da gente. Esse porquê se inspira em outro porquê.

Resumo da ópera

Não há por que temer os porquês. Quem entendeu a lição sabe por quê.

A crase

Vamos à segunda questão. Cara a cara pede o acentinho indicador de crase? Não. Crase é como aliança no anular esquerdo. Indica o casamento de dois aa. O primeiro é a preposição a. O segundo, o artigo ou o pronome demonstrativo (a, aquele, aquela, aquilo): Vou à piscina. Vamos àquela cidade que você visitou. Referiu-se àquilo sem constrangimento.

No caso de palavras repetidas, falta o artigo. Sem ele, adeus, sonho de juntar trapinhos: Viram-se cara a cara. Tomou o remédio gota a gota. Entraram uma a uma.

Leitor pergunta

A reforma ortográfica entrou em vigor há anos. Mas ainda tenho dúvidas. Uma delas se refere aos verbos ter e vir. Eles mantêm o acento na 3ª pessoa do plural do presente do indicativo?
Maria Elvira Chaves, Porto Alegre

Guarde isto. A reforma ortográfica ignorou os monossílabos. Os que tinham acento permanecem com ele sem nenhuma alteração. Os verbos ter e v%u200Bi%u200Br se enquadram na regra: ele tem, eles têm; ele vem, eles vêm.

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