Concurso, CorreioWeb, Brasília, DF

Leitor pergunta

%u201CO que existe são coisas, não palavras%u201D, Adélia Prado

03/08/2017 11:26

Dad Squarisi

Há dificuldades e dificuldades. Algumas restringem-se a poucas pessoas. É o caso da grafia desta ou daquela palavra. Basta uma espiadinha no dicionário e eureca! Adeus, nó nos miolos. Outras englobam universo maior. Por exigirem associação de saberes, cobram preço mais alto. É o caso da crase. Além do domínio da regência, o sinal grave impõe conhecimento do emprego do artigo.


Antonio Sollero, atento leitor e amante da correção linguística, comprou uma revista editada em Brasília. Eis a manchete: “Um brinde à Águas claras”. O emprego do sinalzinho grave lhe pareceu esquisito. Consultou gramáticas e encontrou a resposta. Mas bancou o São Tomé. Trouxe a questão para a coluna. E daí?

Sem humilhação

Em tempos idos e vividos, quando o professor ensinava e o aluno aprendia, os mestres frisavam que o problema da crase residia no artigo. O nome pede ou dispensa o pequenino? Cidades, estados e países eram calo no pé. Pra dar uma ajudinha, eles davam uma dica infalível. São três passos:

1. Construa, com o nome da cidade, uma frase com o verbo ir.

2. Reescreva a frase substituindo o ir pelo voltar.

3. Se no troca-troca der da, sinal da presença do artigo. Caso contrário, nada do monossílabo. Sem ele, xô, crase.

Eis os versinhos:


Se, ao voltar, volto da,
crase no á.

Se, ao voltar, volto de,
crase pra quê?

Exemplos
Vou a Brasília.

Volto de Brasília.

(Se, ao voltar, volto de, crase pra quê?)

*

Vamos à Brasília de JK.

Voltamos da Brasília de JK.

(Se, ao voltar, volto da, crase no á.)

*

Vão a Cuba.

Voltam de Cuba.

(Se, ao voltar, volto de, crase pra quê?

*

Fomos à Grécia.

Voltamos da Grécia.

(Se, ao voltar, volto da, crase no á.)

*

Vou a Copacabana.

Volto de Copacabana.

(Se, ao voltar, volto de, crase pra quê?)

*

Vou a Águas Claras.

Volto de Águas Claras.

(Se, ao voltar, volto de, crase pra quê?)

Superdica

Nem sempre a dúvida se refere ao verbo ir. Não importa. O truque é dedo-duro. Ele denuncia se o nome se usa com artigo ou manda o pequenino bater à porta de outra freguesia. É o caso da dúvida do Antonio Sollero: Um brinde a Águas Claras.

Águas Claras, cidade do Distrito Federal, dispensa a companhia (volto de Águas Claras). A conclusão é uma só — sem artigo, sem crase: Um brinde a Águas Claras.

Por falar em crase...

“A crase”, escreveu Ferreira Gullar, não foi feita pra humilhar ninguém.” Ele tem razão. O sinalzinho foi feito pra indicar o casamento de dois aa. Se a duplinha não aparece, o acento fica recolhido à própria insignificância. Quando isso ocorre?

1. Antes de nome masculino: Dirigiu-se a Paulo.

2. Com palavras repetidas: cara a cara, gota a gota, face a face, semana a semana, frente a frente.

3. Antes do pronome pessoal: Confessou a ela as trapalhadas que cometeu.

4. Antes do pronome indefinido: Saiu a toda. Aplaudia o filho a cada etapa vencida. Assistiu a algumas cenas do filme. Fala com o chefe a qualquer hora.

5. Antes dos demonstrativos esta, essa: Referiu-se a esta funcionária. É fiel a essa secretária.

6. Com o a no singular seguido de nome plural: Assistiu a reuniões durante o dia. Falou a professoras presentes ao evento. Vai a cidades sugeridas no roteiro. Conseguiu a média a duras penas.

7. Com o casalzinho de...a: Estudo de quarta-a sexta. Viajo de segunda a segunda. De terça a quinta, faço plantão.

8. Antes da locução a distância (sem especificação): Siga-o a distância. A universidade oferece cursos a distância. A distância, todos os gatos são pardos.

Atenção, gente fina: se a distância for determinada, cessa tudo o que a musa antiga disse. Vem, acentinho: Siga-o à distância de 10 metros.

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