Este ano o enredo se repete. As tragédias se sucedem. O primeiro ato foi em Niterói. A seguir, Belo Horizonte. Dias depois, Brasília. Outras cidades põem a barba de molho. Sabem que a água despencará do céu. Só não sabem quando. Enquanto esperam, dão uma olhadinha na gramática. Aprendem a conjugar o verbo ruir.
Ruir é defectivo. Pra lá de preguiçoso, só se flexiona nas formas em que o e ou o i seguem o u. A primeira pessoa do presente do indicativo seria eu ruo. Nem pensar. Sem ela, nada de presente do subjuntivo. Assim, temos:
presente do indicativo: ele rui, nós ruímos, eles ruem
pretérito perfeito: eu ruí, ele ruiu, nós ruímos, eles ruíram
pretérito imperfeito: eu ruía, ele ruía, nós ruíamos, eles ruíam
futuro do presente: eu ruirei, ele ruirá, nós ruiremos, eles ruirão
futuro do pretérito: eu ruiria, ele ruiria, nós ruiríamos, eles ruiriam
imperfeito do subjuntivo: se eu ruísse, ele ruísse, nós ruíssemos, eles ruíssem
futuro do subjuntivo: quando eu ruir, ele ruir, nós ruirmos, eles ruírem
É isso. O verbo que ninguém ama nem quer não tem todas as pessoas, tempos e modos. Ainda bem. Já imaginou se fosse completo? Os estragos seriam multiplicados. Valha-nos, Deus! Xô!
Sem mistério
Ruir não tem acento. Ruína tem. Por quê? São manhas do hiato. O u e o i, na quebra de ditongo, só ganham grampinho se preencherem quatro condições. Uma: serem a sílaba tônica da palavra. Dois: serem antecedidos de vogal. Três: formarem sílaba sozinhos ou com s. Quatro: não serem seguidos de nh: ru-í-na, sa-í-da, e-go-ís-ta, sa-í, al-tru-ís-ta, sa-ú-de, ba-ús, a-ta-ú-de. Mas: ra-i-nha, ba-i-nha, cam-pa-i-nha.Xô, bobeira
Atenção, muita atenção. Para serem acentuados, o i e o u precisam ser antecedidos de vogal. Se, em vez de vogal, aparecer um ditongo, cessa tudo o que a musa antiga canta. O agudo não tem vez. Veja: bai-u-ca, fei-u-ra, Sau-i-pe.Solitários
Como tratar as palavras terminadas em i e u? A resposta vem de longe. Quando o português usava fraldas, era pra lá de difícil acertar a sílaba tônica dos vocábulos. Rubrica ou rúbrica? Nobel ou Nóbel? Que rolo! As palavras, então, se reuniram em conselho. Discute daqui, briga dali, firmaram este acordo:Artigo 1° – As terminadas em a, e e o, seguidas ou não de s, são paroxítonas. Dispensam acento: casa, casas, tacape, tacapes, livro, livros.
Artigo 2° – As terminadas em i e u, seguidas ou não de qualquer consoante, são oxítonas. Deixam o acento pra lá: aqui, ali, tupi, tupis, partir, caju, cajus, bumbum, bumbuns.
Artigo 3° – Quem se opuser ao acordo será punido com acento gráfico.
Conclusão: só se acentuam as palavras rebeldes. As primeiras a reclamar foram as proparoxítonas. Se aderissem, desapareceriam da língua. É que não sobrou nenhuma vogal para elas. Por isso todas são acentuadas: rítmico, álibi, satélite.
Oxítonas e paroxítonas também puseram a boca no trombone. Queriam mudar de time. Aconteceu com elas, então, o mesmo que com as proparoxítonas. As vira-casacas exibem grampinhos e chapeuzinhos. É o caso de táxi, álbum, ônus, bônus, sofá, café, vovó, vovôs.
Leitor pergunta
Embriaguez se escreve com z. Português, com s. No caso, z e s soam do mesmo jeitinho. Por que a grafia diferente?Rafael Castro, Brasília
A resposta está na origem:
- Se a palavra primitiva for adjetivo, o z pede passagem: macio (maciez), líquido (liquidez), sólido (solidez), frígido (frigidez), embriagado (embriaguez).
- Se a palavra primitiva for substantivo, é a hora e a vez do s: Portugal (português), corte (cortês), economia (economês), campo (camponês).