Concurso, CorreioWeb, Brasília, DF

Por causa de uma vírgula (continuação)

%u201CHá quem fale do prazer da escrita. Confesso que não tenho nenhum. Para mim, escrever é trabalho.%u201D José Saramago

15/05/2018 15:46

Dad Squarisi

O vocativo é o marginal da oração. Não faz parte dos termos essenciais, integrantes ou acessórios. Por isso vem sempre – sempre mesmo – separado por vírgula.

A palavra vocativo vem do latim vocare. Significa chamar. Pertence à mesma família de vocação (chamamento do coração). Seguir a vocação é atender a voz interior. Ouvir o apelo da alma. “É feliz quem faz aquilo de que gosta”, dizem os psicólogos.


Olá!

Sempre que você se dirigir a alguém, não duvide. Estará usando o vocativo. “Paulo, tome banho”, manda a mãe. Paulo é o vocativo. “Alô, Sílvio, tudo bem?”, diz Maria ao telefone. Sílvio é o vocativo. “Senhor Diretor”, começa o ofício com o vocativo.

Truque

Há um truque para identificar esse termo arredio. Antepor-lhe o ó: (ó) Maria, vamos conversar? Vem cá, (ó) meu filho. Presidente, posso lhe fazer uma sugestão? Acreditem, (ó) leitores, ser claro é a maior qualidade do estilo.

Literatura

A literatura usa e abusa do chamamento. “Deus, ó Deus, onde estás que não me escutas?”, pergunta Castro Alves em Vozes d’África. “Tu choraste em presença da morte? Em presença de estranhos choraste? Não descende o covarde do forte. Tu, covarde, meu filho não és”, escreve Gonçalves Dias em I-Juca Pirama. “Entra, minha filha, senão vais virar prostituta”, ameaça a experiente senhora. “Deus te ouça, minha mãe, Deus te ouça”, responde a moça assanhada do poema de Ascenso Ferreira.

Correspondência

Nas cartinhas, nos e-mails, nos bilhetes, o vocativo está presente: Olá, Paulo, Oi, Maria, Caro Luís, Meu amor. Na redação oficial também. O ato de correspondência se abre com ele: Senhor Presidente da República, Senhor Chefe, Senhor Diretor.

Redação oficial

Houve tempo em que a correspondência do governo dava margem à criatividade. O redator podia separar o vocativo por dois pontos (Senhor Diretor:), vírgula (Senhor Diretor,) ou simplesmente não usar nada (Senhor Diretor). Hoje as coisas mudaram. O Manual de redação da Presidência da República recomenda o emprego da vírgula.

E a letra maiúscula depois da vírgula? Sempre que iniciar parágrafo, usa-se a grandona — mesmo depois da vírgula do vocativo. Assim se convencionou. Manda quem pode. Obedece quem tem juízo.

Leitor pergunta

Etc. tem ponto no final? Como fica o ponto no fim da frase? E a vírgula antes do trio?
Cristina Saraiva, Recife

O etc., Cristina, exige ponto no final. Se coincidir com o do fim da frase, fique com um só. A vírgula é facultativa. Você escolhe. Seja qual for a preferência, o resultado é um só — acertar ou acertar: Comprei laranja, maçã, pêssego, abacaxi (,) etc.

Quer mandar o etc. pras cucuias? É fácil como andar pra frente. Basta não usar o e entre o penúltimo e o último termo da enumeração. A ausência da conjunção significa etc. Veja: Na feira, comprei laranja, uva, maçã, abacaxi. Gosto de cinema, teatro música.

Usa-se travessão com vírgula?
Marcelo Brito, Brasília

A duplinha só tem vez num caso. Se o segundo travessão (só o segundo) coincidir com a vírgula. Compare:

Brasília, a capital do Brasil, tem 3 milhões de habitantes.
Brasília — a capital do Brasil — tem 3 milhões de habitantes.

Depois da saída do presidente sob vaias, os manifestantes se dispersaram.
Depois da saída do presidente — sob vaias —, os manifestantes se dispersaram.

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