Concurso, CorreioWeb, Brasília, DF

Adjetivo classe A

20/05/2015 12:10

Brasília amanheceu amarela de olhinhos puxados. A comitiva do primeiro-ministro chinês tomou conta da cidade. Lotou hotéis, invadiu restaurantes, frequentou cabeleireiros, fez ginástica nos parques, sorriu e fotografou. Fotografou muito. Comidas, árvores, flores, roupas, adultos, crianças, vitrines — tudo e todos mereceram cliques.

A presença dos orientais da gema chamou a atenção da imprensa e da população. Ao falar neles, dois adjetivos pediram passagem. Foi aí que a cobra tossiu e se engasgou. Chinês não oferece problema. Ele se flexiona como a maioria dos mortais. Tem feminino, masculino, singular e plural. O calo aperta no sofisticado sino.

Sino pertence a estirpe nobre. Alatinada, a turma sangue azul é cheia de caprichos. Um deles: assume a forma reduzida — sino, euro, teuto, ibero. Outro: é invariável. Em qualquer gênero ou número, é sempre igual. Mais um: odeia a solidão. Aparece sempre, sempre mesmo, acompanhado de adjetivo flexionável (sino-japonês).

Sangue azul

É o caso dos adjetivos pátrios compostos. Quando dizemos civilização grega, referimo-nos à civilização própria do povo grego. Se quisermos, porém, indicar a civilização comum ao povo grego e romano, diremos civilização greco-romana.

Reparou? Ao se juntar ao adjetivo romana, grego assumiu a forma nobre e se tornou greco. A língua oferece exemplos pra dar, vender e emprestar: anglo (inglês), austro (austríaco), euro (europeu), franco (francês), galaico (galego), hispano (hispânico), ibero (ibérico, da Península Ibérica), indo (indu), ítalo (italiano), luso (português), nipo (japonês), sino (chinês), teuto (teutônico, alemão).

Que preguiiiiiiiiiiiiça!
Preguiçosa que só, a forma nobre precisou achar um jeito de indicar o gênero e o número. Eureca! Juntou-se a adjetivo vira-lata. Sem pedigree, o companheiro dá duro. Varia para concordar com o substantivo a que se refere:

equipe anglo-americana — esquipes anglo-americanas

Império austro-húngaro — Impérios austro-húngaros.

relação euro-americana - relações euro-americanas

literatura franco-brasileira — literaturas franco-brasileiras

falar galaico-português — falares galaico-portugueses

país hispano-americano — países hispano-americanos

competição ibero-americana — competições ibero-americanas

amizade sino-japonês — amizade sino-japonesesa

guerra teuto-espanhola — guerras teuto-espanholas

literatura luso-brasileira — literaturas luso-brasileiras

Olho vivo

A nobreza sabe que o diabo mora nos detalhes. Por isso não deixa por menos. Zela pela correta pronúncia das palavras. Barbarismos fonéticos? Valha-nos, Deus! Pra fugir do estrago causado ao ouvido, guarde isto: adjetivo reduzido não goza de privilégios. Obedece à regra de pronúncia dos vocábulos. A sílaba tônica de ibero é be. De ítalo, i.

Moral da opereta
Vamos combinar? Ser linguisticamente correto pega pra lá de bem. Não bobeie.

Leitor pergunta

O jornal trouxe reportagem sobre acidente grave em Minas Gerais. Lá pelas tantas, está escrito: "... disse o tio de uma das vítimas fatais". Segundo os dicionários, fatal é o que mata (acidente fatal, doença fatal, tiro fatal). Vítima fatal, portanto, só pode significar uma coisa: suicídio. Estou certo?

João Manoel Moreira, Brasília


Certíssimo. Melhor: Disse o tio de um dos mortos. Disse o tio de uma das pessoas que perderam a vida.

***

Li no site: "Ex-mulher condenada pela morte de executivo da Friboi em SP deve voltar à prisão". O título deixa dúvida. Trata-se de uma ex-mulher ou da ex-mulher do executivo? A falta de revisão roubou a clareza do texto.Melhor: Ex-mulher de executivo da Friboi, condenada pela morte dele em SP, deve voltar à prisão. Concorda?
Roberto Barreto, Ipatinga

Nota 10 pra você, Roberto. Montaigne, há 400 anos, repetia: "As qualidades do estilo são clareza, clareza e clareza". PT saudação.

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