Concurso, CorreioWeb, Brasília, DF

Distância aristocrática

''Deixa lá dizer Pascal que o homem é um caniço pensante. Não: é uma errata pensante, isso sim.'' Machado de Assis

29/09/2019 08:00

Dad Squarisi

Olhos se arregalaram. Ouvidos se afinaram. Bocas se calaram. Ninguém acreditava. Mas é fato. A prova está lá, nos anais da Assembleia Geral da ONU. A razão do espanto: construção pra lá de sofisticada exibida pelo presidente. “Esta é a oportunidade de o Brasil se apresentar ao mundo”, disse Bolsonaro diante do plenário lotado.

Por que de o Brasil?, perguntavam presentes e ausentes. Há explicação para a preposição ficar de um lado e o artigo de outro? Há. Na gramática, nem todos são iguais perante a lei. Alguns são mais iguais. É o caso do sujeito. Dono e senhor da oração, ele manda e desmanda. Com ele ninguém pode.


Sem intimidade

Um dos caprichos do mandachuva: nunca vir preposicionado. Por isso, nem em delírio junte o artigo ou o pronome que acompanha o todo-poderoso com a preposição. Dizer “É hora do show começar”? Valha-nos, Deus! Peça perdão de joelhos. E redima-se: É hora de o show começar.

Veja exemplos: Chegou o momento de a viagem (sujeito) começar. Sobre a possibilidade de o presidente Trump (sujeito) perder o mandato, muita água vai rolar. É tempo de os programas de tevê (sujeito) diminuírem a violência. Treme só de pensar na hipótese de a mulher (sujeito) pedir o divórcio.

Tratamento igual

A mesma distância aristocrática vale para o pronome. Diante do sujeito, não duvide. É um pra lá e outro pra cá: Chegou o momento de ela (sujeito) agir. Está na hora de eu (sujeito) entrar. O fato de este servidor (sujeito) chegar atrasado tem a ver com a greve do metrô.


Olho vivo

Não seja mais real que o rei. Só o sujeito rejeita a preposição. Os outros termos pertencem ao time dos iguais: É hora do descanso. Falamos sobre a possibilidade de reconciliação dos dois irmãos. Gosto dela.

Superdica

Pra entrar no time do mais igual, o sujeito vem seguido de verbo no infinitivo: Antes de o galo cantar, tu me negarás três vezes.

Dito e feito. Amém.

Bisbilhotice

E Trump, hem? O presidente americano quis vasculhar a vida do adversário democrata. Pediu ao colega da Ucrânia que passasse um pente-fino na vida do filho do mal-amado. Foi além — fez pressão. Resultado: a Câmara abriu inquérito de impeachment para tirá-lo da Casa Branca. Conseguirá? O tempo vai dizer. Enquanto o martelo não bate, guarde isto — impeachment se escreve-se desse jeitinho.

Curiosidade

O verbo impichar começou a ser usado no início dos anos 1990, quando ocorreu o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. (To) impeachment, verbo inglês, significa impedir, evitar, prevenir. Não tem correspondente em português no sentido de impedimento legal de ocupar cargo ou exercer o poder. Mas impichar é neologismo sem pedigree (ainda) pra ganhar espaço no dicionário. Usa-se na língua de camiseta, bermuda e sandália. Mas não tem vez com a que veste terno e gravata.

Nos trilhos

Ser jornalista é perigoso. Muito perigoso. Ele tem de escrever rápido. Quase nunca pode revisar o texto. Resultado: corre o risco diário de escrever cachorro com x.

Outro dia, quase aconteceu no jornal. Na matéria “Perigo sobre trilhos”, o repórter digitou “descarrilhar”. Não satisfeito, dobrou a dose. Grafou mais adiante “descarrilhamento”.

Leitores estranharam a grafia. Telefonaram. Escreveram cartas. Mandaram e-mails. “A forma correta”, explicaram eles, “é descarrilar e descarrilamento. Por uma razão simples: a palavra vem de carril (trilho). O h não faz parte da família. É penetra”.

E daí? A língua é cheia de surpresas. Essa é uma delas. Existem as duas grafias. A escrita com h é criação nossa. Ambas aparecem firmes e fortes no dicionário.

Leitor pergunta

Eminente e iminente: qual a diferença?
Jaime Biatra, Porto Alegre

Eminente = ilustre elevado: eminente ministro, edifício eminente.

Iminente = prestes a acontecer: chuva iminente, morte iminente.

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