De acordo com o assessor jurídico do CRP, Victor Neiva, a anulação do concurso se deu em virtude de expressa disposição da Lei de Responsabilidade Fiscal, que condena atos como a falta de estimativa de gastos e demonstração de origem para pagamento de contas, além do fato de que o concurso abriu vagas para cargos que não estavam previstos no plano de carreira do órgão. “Em face disso, houve um comprometimento excepcional das receitas do CRP, o que o levou à sua quase paralisia institucional”, afirmou.
Outro fator agravante foi que na gestão anterior houve a venda de sala para o pagamento das despesas de pessoal, o que também feriu preceito da LRF e fez com que o Tribunal de Contas da União fosse acionado. O TCU julgou o ato como irregular e concedeu prazo de 60 dias (a contar de 5 de abril) para o conselho apresentar um plano de ação que regularize a situação e impeça que novos procedimentos irregulares sejam adotados para o custeio destas despesas. “Por isso a necessidade de se decretar a nulidade do concurso, visto que os gastos com pessoal do órgão chegaram a 102 % de sua receita, tornando inviável atingir suas finalidades institucionais”, declarou o assessor.
O órgão informou ao Correio que reconhece o erro e o prejuízo aos concursados já nomeados, mas que o objetivo é construir com os servidores afetados e seus representantes a melhor solução do problema. “O interesse é o de usar princípios de mediação e justiça restaurativa para que, dentro das possibilidades, todos sejam respeitados em sua dignidade e tenham a sua história junto ao órgão valorizados, recebendo o que for considerado justo por uma solução coletiva e democraticamente construída”.
Ainda segundo Neiva, nenhum funcionário foi demitido até o momento, mas estão sendo consideradas, além de indenizações, a instituição de um Plano de Demissão Voluntária e a redução de carga horária com redução proporcional de salário. O advogado do conselho ainda informou que no dia 20 de maio haverá uma reunião colegiada com todos os conselhos do país em que o CPR do DF vai buscar recursos financeiros para ajudar na busca pela solução do caso.
O outro lado
Porém, segundo os concursados afetados, a diretoria do Conselho não está totalmente aberta ao diálogo e realiza uma comunicação vertical com os funcionários. Eles alegam que aconteceram reuniões, mas que as decisões são apenas comunicadas e que as suas opiniões não são levadas em consideração. “Antes da publicação da resolução no DOU foi realizada uma reunião apenas para informar que o plenário decidiu pela anulação do concurso tendo em vista a exigência do TCU e que a intenção é promover o PDV. Caso não haja adesão, eles vão partir pra demissão”, afirmou um funcionário que não quis se identificar. “Consideramos a anulação um ato ilegal, porque o concurso foi realizado normalmente, fizemos as provas, preenchemos todos os requisitos”, completou. Os funcionários analisam acionar a assessoria advocatícia do sindicato e se vão denunciar a situação para órgãos como Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Federal.Gestão anterior
A presidente anterior do CRP/DF, Cynthia Ciarallo, diz que, ao assumir o conselho, no fim de 2013, encontrou uma folha de pagamento elevada gerada pelo concurso, realizado em 2012. Diante dessa situação, afirma, buscou economizar de várias maneiras. "Ao longo de nossa gestão, cortamos ajuda de custo, jetons, telefone celular, viagens. Igualamos os salários díspares com o PCS e fizemos empréstimo em 2014, quitado no ano seguinte", contou. "Em 2015, bem antes do uso do recurso da sala, também pedimos apoio financeiro para a gestão do Conselho Federal, que se negou a ajudar o CRP/DF”, declarou.Segundo Cynthia, a venda da sala foi uma das medidas adotadas para o reequilíbrio financeiro, devido ao custo de manutenção e a dificuldade de locação, ainda em 2014. "A venda foi autorizada pela assembleia de psicólogos no DF e pela assembleia dos Conselhos Regionais e CFP. Cumpridos todos os trâmites legais, depois de um ano, a sala foi vendida. No fim de 2015, não tínhamos dinheiro para o 13º salário e, com a negativa do CFP em nos ajudar, fomos obrigados a utilizar o dinheiro da venda da sala para honrar nosso compromisso com os trabalhadores."
Foi o CFP que denunciou a venda da sala, no valor de R$ 420 mil, ao TCU. No processo, disponível na internet, é possível constatar que a conclusão do relatório técnico entendeu que a denúncia do CFP seria improcedente, pois o CRP/DF não teria infringido norma legal. Porém, em seu voto, o relator, ministro Weder de Oliveira, considerou a denúncia procedente, já que a venda da sala feriu preceitos da LRF, e o plenário, por sua vez, concordou com tal decisão. Desse modo, o acórdão fez conhecer que a denúncia é procedente, "uma vez que o art. 44 da Lei Complementar 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal, aplica-se aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, sendo-lhes vedada a aplicação da receita de capital derivada da alienação de bens e direitos que integram o patrimônio público para financiamento de despesas correntes, tais como despesas de pessoal"; e determinou que, em 60 dias, o CRP/DF apresente um plano de ação com as medidas a serem adotadas para reequilibrar as contas; além de dar ciência ao Conselho de que "a utilização de receitas provenientes da alienação de bens imóveis no pagamento de despesas correntes afronta o art. 44 da Lei Complementar 101/2000, de modo que sejam adotadas medidas com vistas à prevenção de ocorrências semelhantes”.
Na interpretação de Cynthia Ciarallo, o que a decisão do TCU fez foi estabelecer uma jurisprudência sobre a questão. "Quanto à decisão do TCU que deu procedência à representação, na verdade, há uma função pedagógica, gerando jurisprudência a matéria ainda não discutida naquela Corte. Entendemos que o TCU considerou justificada a medida adotada por nossa gestão, uma vez que não nos aplicou multa ou ressarcimento ao erário, procedimento do TCU nos casos em que julga irregular a conduta do gestor", argumentou, ressaltando que, em 2016, uma denúncia semelhante, feita pelo CFP no MPF, acabou arquivada por não se encontrar atos de improbidade administrativa.
Quanto a não ter anulado o concurso quando gestora, Cynthia Ciarallo considera que essa seria uma decisão equivocada, não apenas por penalizar os concursados de 2012, mas também por haver uma situação já consolidada de concursados em exercício há quase um ano, o que geraria um preocupante passivo trabalhista para outras gestões também. "O TCU não penalizou nossa gestão, nem determinou ao CRP/DF a anulação do concurso de 2012, mas sim a elaboração de um plano de ação para seu reequilíbrio financeiro. Deixamos a gestão em setembro de 2016 com recursos suficientes para finalizar o exercício, desde que mantidas as mesmas medidas austeras feitas em nossa gestão, alertamos à época", assegura.
O concurso
O concurso foi aberto em agosto de 2012, com oferta de 16 vagas efetivas e cadastro reserva. Na época, os salários variam de R$ 1.354,13 a R$ 2.868,47. De acordo com o edital de abertura, os cargos oferecidos para quem tem nível médio foram de agente de almoxarife e patrimônio, agente de eventos e comissões e recepcionista atendente. Já para os graduados os postos foram de analista em comunicação social, analista de licitações, analista de recursos humanos, analista financeiro, contador, pesquisador em psicologia, psicólogo fiscal e supervisor de atendimento.A seleção foi organizada pelo Instituto Quadrix, que aplicou provas objetivas e discursivas, além de prova de títulos e experiência profissional para alguns cargos.