Quando se trata de concursos públicos, o cadastro de reserva pode ser considerado um assunto polêmico. Afinal, há diversas ações judiciais que envolvem o tema. Entendimentos contrários e favoráveis de entidades públicas e o fato de não existir norma jurídica ou legislação sobre isso engrossam as disputas sobre a questão. O objetivo da alternativa é formar uma espécie de “banco de suplentes” que, eventualmente, podem ser convocados, de acordo com a necessidade, para assumir cargos que ficarem vagos (por motivos como aposentadorias e mortes de funcionários) durante o período de validade do edital. Para os órgãos públicos, é um mecanismo cômodo, pois permite contratar pessoas com mais celeridade, sem a necessidade de novo concurso. Para concurseiros, porém, em muitos casos, a ferramenta se traduz em expectativas frustradas.
Mesmo que a oportunidade seja de reserva e que, portanto, a administração pública não tenha a obrigação de convocar os aprovados nessa condição, muitos se enchem de esperança, fazem planos ao verem o próprio nome na lista de selecionados e, mais tarde, com medo de perder a chance, entram na Justiça. No Tribunal Superior do Trabalho (TST), tramitam 183 processos sobre concursos, a maior parte solicita nomeação e critica as contratações feitas sem certame. No entanto, o tribunal não informa quantos tratam especificamente de cadastro de reserva.
Com relação a esse tópico, os casos mais recentes apontam para o mesmo entendimento: os classificados têm direito à nomeação quando houver vagas e se existirem funcionários terceirizados ocupando a posição. Porém, a falta de legislação provoca inconstância nas decisões judiciais e casos semelhantes acabam com determinações diferentes (saiba mais no quadro Novela judicial, na página 4). “Do ponto de vista administrativo, o cadastro de reserva é uma boa ideia. A prática do recurso, porém, revela infrações. Ainda que exista precedente judicial no sentido de que pelo menos uma vaga deva ser preenchida, o fato é que não há lei sobre o tema e a jurisprudência não é pacífica”, alerta Augusto Bello de Souza Neto, presidente da Associação Nacional de Defesa e Apoio aos Concurseiros (Andacon).
Quantitativo
Carlos Eduardo Carvalho Brisolla, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) no Distrito Federal e no Tocantins, está por trás de diversas medidas judiciais envolvendo concursos e observa que o problema central é a falta de cuidado das instituições em definir a quantidade de vagas de reserva. “Há um superdimensionamento de oportunidades que serão abertas, o que causa frustração aos candidatos”, diz. Brisolla cita o Artigo 37 da Constituição Federal, o qual define que a administração pública direta e indireta obedeça aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e argumenta que os órgãos não têm sido transparentes com relação à quantidade de oportunidades disponíveis. “Promover concursos sem divulgar o número de vagas, no nosso entender judicial, é ilegal e inconstitucional”, acrescenta. Para Augusto Bello, da Andacon, o quantitativo de chances é determinante para que alguém decida prestar um concurso.
Saiba Mais
Saiba em quais casos os candidatos podem recorrer à Justiça?
Máquina de concursos?
Passar numa seleção pública exige muita preparação. São horas de estudos e dedicação. Mas as expectativas de ser chamado para ocupar o cargo diminuem quando aparecem, nos editais, poucas oportunidades efetivas e uma lista extensa de cadastro de reserva. Pior ainda é quando, no fim das contas, ninguém ou poucos são convocados. Rodrigo Barsalini, advogado, entende que o mau uso da modalidade de captação de concursados é inconstitucional.“Apesar de ser justificado no poder discricionário da administração pública, o cadastro de reserva retrata o gasto do dinheiro público com a organização de certames em vão”, opina.
Questionado sobre a possibilidade de seleções serem promovidas, também, para enriquecimento de órgãos ou de bancas a partir do dinheiro arrecadado com as inscrições, o presidente da Andacon, Augusto Bello de Souza Neto, prefere não se manifestar. Ele, que também é consultor legislativo do Senado Federal, no entanto, pondera que o país carece de normas específicas que norteiem os certames. “O Brasil precisa, com urgência, de uma lei que estabeleça as regras para a realização de concursos públicos”, defende.
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“O Senado Federal aprovou um texto que trata bem a questão do cadastro de reserva e veda a promoção de certames se a quantidade de cargos vagos na instituição for inferior a 5% do total para cada cargo. O documento também obriga os órgãos a divulgar o número de postos desocupados e as datas previstas de novos concursos”, afirma, referindo-se ao Projeto de Lei (PL) nº 6004/2013, que estabelece normas gerais para concursos públicos. A proposta foi apensada ao PL 252/2003, que trata do mesmo assunto, e tramita na Câmara dos Deputados. O projeto está parado há quatro anos e aguarda o parecer do relator da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Existe ainda outras propostas sobre o tema (leia Proposta legislativa).
Proposta legislativa
Está em tramitação na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 483/2010 que proíbe a realização de concurso público para formação de cadastro de reserva, obrigando o preenchimento das vagas publicadas no edital no prazo de validade do concurso. A proposta é de autoria do deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE) e foi apensada à PEC 439/2015, que estabelece que o prazo de validade dos concursos públicos será de quatro anos improrrogáveis e veda a divulgação de edital para novo concurso enquanto houver aprovados ainda não nomeados.
Em compasso de espera
Conheça histórias de aprovados em concursos para cadastro de reserva
“Perdi as speranças”
A advogada Ana Carolina Almeida, 26 anos, guardou a esperança de ser convocada para trabalhar como técnica bancária na Caixa Econômica Federal até o último minuto. “Até acabar a validade do concurso, eu acreditava que seria chamada. Quanto terminou o prazo, suspirei e aceitei. Lógico que fiquei frustrada porque eu tinha acabado de sair da faculdade e entrei em um cursinho para me preparar e ainda estudava em média seis horas por dia”, relata. Ela optou pelo concurso da Caixa pelo histórico de numerosas convocações. Enquanto aguardava o chamado, trabalhou num escritório de advocacia.
“Quando o MPT entrou com ação (que cobrou que o banco convocasse pelo menos 2 mil pessoas), decidi não acompanhar de perto. Não tenho mais expectativa e não estou mais contando com essa vaga.” Atualmente, a advogada estuda integralmente para conseguir um posto público na área jurídica e declara oposição à promoção de certames para cadastro de reserva. “Os concursos deveriam ser feitos a partir do número de vagas de que o órgão precisa ou pelo menos uma previsão realista”, critica. Ela acredita que a terceirização é outro problema. “Se não existissem os terceirizados, o número de oportunidades seria maior e não teria tanta necessidade de cadastro de reserva. Infelizmente, esse tipo de contratação é uma realidade e está sendo combatido pelo MPT”, conclui.
Tempo de angústia
O administrador Pedro Henrique da Costa Leite, 31 anos, fez, em 2014, a prova do concurso para o cargo de auditor de controle interno, promovido pela Secretaria de Estado de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplan/DF). Depois disso, participou ainda de um curso de formação de um mês. O edital do certame foi lançado em 2013, mas o resultado final só foi publicado em abril de 2016. Foram ofertadas 60 vagas efetivas e 240 de cadastro de reserva com salário de R$ 12 mil. “O concurso foi difícil, então, para reserva, foram aprovadas umas 90 pessoas. Dessas, 71 estão interessadas — sei disso porque participo de um grupo dos que passaram”, revela Pedro Henrique, que ficou em 59º lugar nessa categoria. Por causa das previsões da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2018, ele acredita que tem chances de ser chamado no ano que vem. No entanto, ele se decepciona com a morosidade que vem marcando o processo seletivo.
“Devido à longa duração do concurso e a inúmeros contratempos do próprio certame, fiquei decepcionando. Nesse caso, a gente fica descrente. Não conto mais tanto com a seleção, até porque passei e fui nomeado em outros órgãos nesse meio tempo”, conta ele que, hoje, é tecnologista em Orçamento e Finanças no Ministério da Saúde. Anteriormente, Pedro Henrique foi servidor dos ministérios da Justiça e da Integração Nacional e da Caixa. Mesmo assim, não parou de estudar. “A mensagem que fica de tudo isso é que é um erro se acomodar ao se classificar no cadastro de reserva: não é hora de parar de estudar, mas sim de continuar se dedicando para passar nas vagas efetivas”, diz. “Para quem está desempregado e depende disso, a frustração é ainda maior, mas, seja qual for o caso, a aprovação é fruto de muito esforço, então, mesmo quem não tem urgência financeira, tem uma expectativa de ver a nomeação se concretizar”, relata.
Luta pela vaga
O concurso da Caixa Econômica Federal de 2014 também foi alvo de processos judiciais na capital federal. Na época, o órgão delimitou, pela primeira vez, a quantidade de pessoas que poderiam compor o cadastro de reserva: 30 mil em todo o Brasil, das quais 1.244 para o polo de Brasília. O prazo de validade do concurso venceu e somente 242 aprovados foram admitidos no DF. Thaís Regina Gonçalves de Carvalho, 34 anos, lamenta não estar entre eles. Estudante de gestão de recursos humanos, ela recorreu à Justiça pela nomeação. O processo individual corre na 18ª Vara do Trabalho de Brasília.. Ela lembra o desgaste provocado pela situação. “Tirei tempo para estudar, sacrifiquei momentos com a família e amigos . Gastei com inscrições e materiais. Quando não fui convocada, fiquei frustrada e magoada, porque é difícil passar ainda tem toda essa dificuldade para assumir o posto”, ressalta.
Desempregada desde fevereiro deste ano, Thaís trabalhou por 11 anos como assistente administrativo na Fundação dos Economiários Federais (Funcef) — empresa de previdência complementar da Caixa — e acredita que o cadastro de reserva é ruim para todos os lados, por demorar e não ser usado da maneira correta. “O concurso vai vencendo, você vê desligamentos e não há reposições.” Representante das pessoas com deficiência (PCDs) na comissão dos aprovados no certame, ela ficou na 140ª posição entre 260 deficientes aprovados para o cargo de técnico bancário. No entanto, apenas 20 foram nomeados. “Faltam 3 mil pessoas com deficiência no quadro da Caixa porque ela não cumpre a legislação. O Ministério Público do Trabalho (MPT) instaurou uma ação para que a empresa cumpra essa determinação legal. Nem se o banco chamasse o cadastro de reserva todo, atingiria o mínimo exigido”, critica.