A Polícia Militar do Paraná (PMPR) abriu um novo certame com 16 vagas para cadetes. Além de provas objetivas, os interessados serão submetidos a um teste psicológico onde será avaliada, dentre outras coisas, a "masculinidade" do candidato. O item, presente no anexo II do documento, exige um resultado igual ou acima de "regular" para capacidade de "não emocionar-se facilmente, tampouco demonstrar interesse em histórias românticas e de amor". É exigido ainda que o candidato demonstre a competência de "não se impressionar com cenas violentas e que possa suportar vulgaridades".
Outros itens do teste psicológico também chamam atenção, como "amabilidade" e "afago". Neste último, o candidato deve ter resultado menor ou igual a "médio" para necessidade de buscar apoio e proteção, e sobre o quanto deseja ser "amado, orientado, perdoado e consolado". Além disso, será avaliada a necessidade de ser protegido de sentimentos de abandono, ansiedade, insegurança e desespero, que também deve ser igual ou inferior a "médio". Serão medidas também características de instabilidade emocional, passividade, liberalismo, busca por novidades, interações sociais, afiliação, empatia, dominância e outras.
Para Max Koolbe, advogado e especialista em concursos públicos, o edital apresenta subjetividades exigidas como perfil profissional que "transcendem o limite do absurdo". Ele explica que a realização de exames psicológicos é legítima, porém a adoção de critérios meramente subjetivos, que possibilitem ao avaliador um juízo arbitrário, afronta a garantia de ampla defesa.
Kolbe afirma que não há razões para afastar qualquer candidato do certame por meras presunções de inadequação ao perfil para o cargo. Isso, segundo dele, deve ser feito apenas quando é revelado, através do exame psicológico, sintomas de personalidade doentia e psicopática, inadequados ao preenchimento da carreira militar.
Por fim, o advogado defende que o edital deve ser retificado. "Além de discriminatórias, as exigências constantes no edital do concurso público não possuem amparo legal ou sequer, friso, qualquer objetividade que as justifiquem. Por essas razões, devem ser excluídas da análise por meio de retificação do edital", diz.
O Correio entrou em contato com a PMPR e com o Núcleo de Concursos da Universidade Federal do Paraná (organizador do certame), mas até o momento desta matéria não obteve respostas.
O Ministério Público do Paraná informou, ainda, que não existem reclamações formais sobre o concurso. Porém, qualquer candidato que se sentir prejudicado ou queira denunciar o edital, deve encaminhar e-mail para gabinete@mppr.mp.br ou protocolar a reclamação na sede do MPPR,em Curitiva. Cabe ao MP averiguar a necessidade de investigação, fiscalização e tomar medidas cabíveis quando necessárias.
O Ministério Público do Paraná informou, ainda, que não existem reclamações formais sobre o concurso. Porém, qualquer candidato que se sentir prejudicado ou queira denunciar o edital, deve encaminhar e-mail para gabinete@mppr.mp.br ou protocolar a reclamação na sede do MPPR,em Curitiva. Cabe ao MP averiguar a necessidade de investigação, fiscalização e tomar medidas cabíveis quando necessárias.
Retrocesso
Para a psicanalista Thessa Guimarães, o termo "masculinidade", igualado à "capacidade de o indivíduo em não se impressionar com cenas violentas, suportar vulgaridades e não emocionar-se facilmente" é uma evidência do discurso de machismo no Brasil. "De fato, no jargão popular, masculinidade significa tudo isso. O problema é que essa correspondência entre masculinidade e frieza emocional é resultado de um processo histórico de subjetivação misógina, que ensina as meninas a cuidar e obedecer, e os meninos a dominar, agredir e exterminar, se preciso", comenta.
Para a especialista, qualquer definição de masculinidade está comprometida com uma tomada de posição a respeito da opressão de homens contra mulheres. "A definição pode ser de senso comum, científica, psicológica, antropológica, pouco importa. Se ela naturaliza características de opressão como masculinas e naturaliza características de subserviência como femininas, ela está a serviço do amplo retrocesso civilizatório no qual o golpe lançou o país, no qual a PM em todo o Brasil tem investido sem pudores", diz.
A psicanalista afirma, também, que o erro da equipe técnica por trás desta avaliação psicológica é, através dessa correspondência, esconder um processo histórico através do qual o patriarcado segue oprimindo, explorando e matando mulheres. "Pensa-se como natural a correspondência entre masculinidade e inclinação à violência, mas ela é histórica e precisa ser denunciada",diz.
"Mais grave ainda é considerar que o edital é feito para ambos os sexos, portanto a candidata vai para a avaliação psicológica advertida de que seu gênero é um obstáculo ao perfil", pontua.
O concurso
São 16 vagas, sendo duas reservadas a candidatos afrodescendentes. Pode se candidatar quem tiver nível médio de formação escolar e no máximo 30 anos de idade. Os salários são de até R$ 9.544,44. Haverá provas objetivas, de compreensão e produção de textos, provas de habilidades específicas, investigação social, avaliação psicológica, exame de sanidade física, exame de capacidade física e o curso de formação.