De acordo com Roberto Piscitelli, professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB), é muito importante entender o contexto em que esse tipo de proposta vem embutido. “Existe hoje uma espécie de vilanização do servidor e do serviço púbico, uma obsessão para que se reduza o quadro de pessoal, o tamanho da máquina. Inclusive o ministro Paulo Guedes tem dito que metade dos servidores vão se aposentar nos próximos cinco anos e que não há pretensão em fazer concurso. Eu me pergunto: como vamos atender as necessidades básicas da população, principalmente os mais pobres, que têm no serviço publico a única opção? Isso deve ser colocado com muita ênfase. A situação é pintada como dramática, mas as despesas com pessoal na esfera federal estão distantes do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, na maioria dos estados o limite é de 50% dos gastos, mas não se chega a 35%, sem falar que estamos abaixo do número de servidores com relação a outros paises.”
Segundo o especialista, o decreto é mais um aspecto da concentração de poderes em torno da área econômica do atual governo, em que “estão absorvendo várias atribuições de Estado que seriam de outros órgãos, e praticamente tudo vai depender desse superministério, que poderá ter mais dificuldade de administrar suas próprias atividades.”
Piscitelli ainda chama a atenção para as exceções do decreto em que os concursos poderão ser autorizados sem o crivo do Ministério da Economia, que são as carreiras de advogado da União, de procurador da Fazenda Nacional, procurador Federal, diplomata, policial federal e docentes de institutos federais de ensino. “Essas exceções são, na maioria, para grupos mais influentes, mais poderosos junto à Administração. Não se toca na questão dos militares, apesar deles comporem um terço dos servidores públicos, todas as restrições foram concentradas no serviço público civil.”
Terceirização
O professor ainda acredita que o decreto dá abertura para terceirização, graças ao inciso XIV, do artigo 6º, que diz que os pedidos de concursos deverão demonstrar que os serviços que justificam a realização do mesmo não podem ser prestados por meio da execução indireta. “Antes se contratava de forma indireta para se fazer aquilo que a Administração Pública não poderia fazer (devido a diversos motivos), agora isso se inverte, só vai haver concurso se o órgão não puder contratar por empresas de prestação de serviços. Isso equivale a dizer praticamente que não vai ter mais concurso público, parece que a intenção é essa mesmo. E pode dar liberdade para beneficiamento de empresas, que deverão ser mais caras e ter menos comprometimento com o trabalho, pois não tem vínculo com a Administração.”O outro lado
Já para Vandré Amorim, coordenador e professor de direito administrativo do Gran Cursos Online, o decreto pode ser visto com outros olhos. “Os concurseiros precisam ter em mente que não são atingidos por esse decreto os órgãos e entidades dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, tampouco os órgãos do Poder Judiciário e do Legislativo. Além disso, muitas das medidas do decreto servirão para racionalizar a abertura de novos concursos, jamais a sua extinção, que é garantida na Constituição Federal, como a avaliação de quantos cargos foram cedidos e a evolução do quadro de pessoal dos órgãos, apresentando números sobre aposentadorias, ingressos e desligamentos.
Outro ponto que merece destaque para Amorim diz respeito à limitação das nomeações de candidatos aprovados em cadastro de reserva, que não poderá ultrapassar vinte e cinco por cento do quantitativo original de vagas. No Decreto anterior (Dec. 6.944/09), o percentual era de 50%. “Assim, um concurso aberto com 100 vagas só poderá nomear 125 candidatos. Isso vai fazer com que, naturalmente, os concursos para um mesmo órgão passem a ocorrer com mais frequência, pois as listas de aprovados não poderão ser muito extensas”.
Mais um aspecto positivo grifado pelo professor é que agora o edital deverá respeitar uma antecedência mínima de quatro meses entre a sua publicação e realização da primeira prova, o que dá bem mais tempo de preparo direcionado para os estudantes. “Podemos dizer, então, que dentre as novidades trazidas por esse decreto, o que se percebe não é, nem de longe, o fim dos concursos, mas a racionalização dos gastos públicos. Minha recomendação a todos que estão se preparando para algum concurso do Executivo Federal é intensificar cada vez mais os estudos, pois teremos muitos concursos, mas com um número um pouco menor de nomeações em cada um deles.”
Já a professora de Economia do Gran Cursos Online Amanda Aires gostou da mudança. “Deixou mais claro os procedimentos. O decreto estabelece regras mais objetivas de como o órgão deve fazer a sua solicitação. Se um órgão, por exemplo estiver cedendo muitos servidores, não fará sentido pedir novo provimento de cargos. Fica mais racional a forma de autorização. Essa regra então vai trazer mais tráfego para que os órgãos possam fazer a sua solicitação inclusive esse ano, já que, pelo decreto, o prazo de solicitação de vagas vai até o último dia de maio. Então, ao contrário do que se pensava, ao invés de haver uma diminuição, deverá ter um aumento das solicitações de concursos.”
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