A iniciativa de inscrever os adolescentes partiu das secretarias de Educação e da Criança e do Adolescente e do Instituto Quadrix, que organizou o certame. A decisão foi tomada antes mesmo do lançamento do edital, em 17 de março. Como os jovens já estudavam matérias similares às cobradas na prova, entre elas matemática, português e conhecimentos gerais, o edital foi visto pelos professores da Unire como uma boa oportunidade de motivá-los. A chance de prestar o concurso animou o filho da comerciante Rita de Cássia Ribeiro, 38 anos, um dos socioeducandos, que telefonou à mãe para dar as boas-novas. “Achei a notícia excelente. Seria ótimo se houvesse mais oportunidades como essa. Nunca tinha ouvido falar de internos receberem incentivo para fazer um concurso”, disse Rita.
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Pioneirismo
Às 5h30 da manhã do último domingo, o filho de Rita já estava acordado para não correr o risco de perder a prova. “Ele quase não conseguiu dormir, estava super- nervoso”, comentou a mãe. “Dizia que ia conseguir passar e consertar a vida dele.” De acordo com a coordenadora Tirza, a ansiedade foi compartilhada por todos os colegas. A isonomia foi respeitada na realização dos testes e os adolescentes não tiveram regalias. Às 8h30, iniciaram o exame, que durou quatro horas. Os 14 jovens infratores realizaram os exames nas salas de aula da Unire, o que dispensou o trabalho de escolta.
“O efetivo de agentes de integração social ainda é baixo, então não tínhamos pessoas nem carros para acompanhá-los se o teste fosse realizado fora da unidade. Mesmo se todos pudessem fazer a prova num mesmo local, havia um grande risco de não poderem ser escoltados até lá”, explicou Tirza. Responsável pela aplicação da prova, o Instituto Quadrix exigiu apenas ter um carro estacionado dentro das instalações, segurança para os colaboradores da banca, e que os internos dispusesse do material e da documentação necessários.
O sucesso foi tanto que o presidente do Instituto Quadrix, Edison Andrade, já cogita aplicar outras provas em unidades de internação. “Vai depender de cada situação e de cada concurso. Estamos dispostos a realizar esse tipo de esquema para outros jovens”, enfatizou, sem esconder o orgulho pelo pioneirismo nesse tipo de iniciativa. “Esses meninos merecem oportunidades. Acho que todo mundo tem o direito de fazer um concurso público, se reabilitar e seguir a vida.”
Engajamento
Para o presidente do Gran Cursos e diretor executivo da Escola de Governo do Distrito Federal (Egov), José Wilson Granjeiro, o ineditismo de realizar provas em uma unidade de internação pode ser explicado pela complexidade da operação. “É como aplicar um concurso nacional: tem que ter muito estudo, planejamento e experiência. Mas, também é preciso melhorar e aperfeiçoar a logística”, avaliou.
Na opinião do ex-presidente da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac) e presidente do Grupo Vestcon, Ernani Pimentel, ações como essa ainda encontram resistência devido aos custos. “A viabilidade econômica também é muito estudada pelas bancas, para que não tenham prejuízo. Fomentar esse tipo de iniciativa, que depende muito da intermediação do governo, exige vontade política e engajamento social das autoridades”, analisou. Apesar de procurado pelo Correio, o Conselho Federal de Administração não se dispôs a fazer comentários.