Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha foi a primeira, e até hoje única, mulher nomeada ministra do Superior Tribunal Militar (STM), órgão máximo da Justiça Militar da União. Foi também a primeira e única mulher a assumir a presidência da Corte em 206 anos.
Com um currículo de 125 páginas, Maria Elizabeth usa todo seu conhecimento para projetar uma "visão feminina em um tribunal ainda homogêneo e marcadamente masculino". Neste Dia Internacional da Mulher, o Concursos conversou com a ministra para saber mais sobre sua visão de mundo e do feminismo e perguntar sua opinião sobre a lei que limita a 10% o ingresso, via concurso, de mulheres nas forças militares, um tema que começa a ser questionado por especialistas.
A senhora foi a primeira, e até hoje única, mulher nomeada ministra do Superior Tribunal Militar (STM), órgão máximo da Justiça Militar da União. Como é estar nesse papel?
Integrar o Superior Tribunal Militar como primeira mulher é uma honra e um desafio, sobretudo por ter a oportunidade de mostrar a importância da inclusão, do respeito à alteridade e da relevância da tolerância entre humanos. Ali tenho a oportunidade de projetar minha visão feminina em um tribunal ainda homogêneo e marcadamente masculino. Minha jornada envolveu muito estudo e dedicação e escolhas pessoais que, de certa forma, acabaram por ser restritivas. Sempre me senti respeitada pelos meus colegas, sobretudo os militares, com os quais tenho relação recíproca de admiração e de amizade. Evidentemente, discriminações existem, como em todas as instituições públicas e privadas, mas elas são pontuais e não me intimidam; ao contrário, me impulsionam a lutar pela liberdade. Tenho a convicção de viver num tempo rico em transformações e num país que repudia, cada vez mais, comportamentos discriminatórios e descomprometidos com as práticas afirmativas e democráticas. Sou feminista e defendo a igualdade. Ninguém pode ser segregado, portanto, sigo em frente e cumpro meu papel.
A Lei nº 9713/98 prevê apenas 10% das vagas para mulheres em concursos militares. O MPDFT, em uma recomendação recente, afirma que a lei não tem respaldo constitucional. A senhora concorda?
Em pleno século 21, a simples existência de uma lei como essa demonstra o quão longe se está de atingir a tão almejada isonomia entre os sexos. Segundo legislação anterior, havia distinção de quadros femininos e masculinos. O quadro feminino sempre foi menor e não autorizava que as mulheres alcançassem os mesmos postos que os homens sob o argumento de as atribuições serem diferentes. A Lei nº 9.713/98 veio para unificar os quadros e, em tese, acabar com esse tratamento restritivo, contudo, fez justamente o oposto, estabelecendo às claras uma política discriminatória contra a mulher ao limitar o número de policiais do sexo feminino a apenas 10% do efetivo. Seria de se pensar, por consequência, que um dispositivo legal, tão absurdamente contrário às políticas afirmativas e ao próprio texto constitucional, fora, de pronto, questionado perante o Supremo Tribunal Federal. Porém, tal não ocorreu, mesmo passados 20 anos da promulgação da norma, a revelar a invisibilidade jurídica que ainda permeia as violações aos direitos das mulheres.
Qual conselho a senhora dá às mulheres que gostariam de ingressar na carreira militar?
Que corram atrás de seus sonhos e quebrem paradigmas. Não há razão para as mulheres não romperem barreiras e não buscarem se integrar às Forças Armadas e Polícias Militares. A carreira das Armas é uma vocação individual que se reflete coletivamente na defesa da Pátria, é um ideal de homens e mulheres, que exige um perfil específico para o desempenho, pois impõe resignação e sacrifícios. Somente os vocacionados sonham em vestir a farda e, dos sonhos, não se desiste. Afinal, nós mulheres, temos o dever de construir uma sociedade melhor para os que virão depois de nós.
Como a senhora enxerga os movimentos feministas hoje?
O mundo e as mentalidades estão em constante transformação, o que tem resultado na tomada de consciência sobre a especificidade da mulher, de sua condição de exploração, discriminação, alienação, exclusão e abuso. Dessa consciência provieram movimentos como #MeToo, "Não é não", "Mexeu com uma, mexeu com todas", #Myjobshouldnotincludeabuse e a Marcha Mundial das Mulheres, entre outras manifestações. Hoje as mulheres no Irã tiram o véu para reivindicar a igualdade, as atrizes de Hollywood se vestiram de preto para sepultar metaforicamente os abusos e as agressões masculinas, um protesto que resvalou no importante movimento "Time’s Up", que inclui um fundo para financiar ações judiciais de profissionais com baixa remuneração que venham a ser vítimas de assaltos eróticos na indústria cinematográfica norte-americana.