A rotina de Adriana Vilela, 35 anos, é repleta de desafios. Todos os dias, ela sai às ruas e lida com situações "dramáticas", "absurdas" e "perigosas", segundo suas próprias palavras. E como se não bastasse tamanho peso, ela ainda precisa provar, cotidianamente, sua competência aos que ainda acreditam que seu trabalho "não é coisa de mulher".
Adriana é a 1º tenente Vilela, uma das 911 mulheres que compõem o efetivo de 10.038 policiais militares do Distrito Federal. "Todos os dias, eu preciso provar que sou capaz de exercer minhas funções, que sou capaz de ir às ruas, sim. E, todos os dias, mesmo rodeada por homens, preciso impor respeito e, ao mesmo tempo, ter sensibilidade dentro da corporação", conta a PM, que ingressou na corporação em 2010.
Diferentes iniciativas buscam estimular que mais mulheres façam como Adriana e ingressem nas forças militares. Uma das ações mais recentes foi uma recomendação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) para que o Comando-Geral da PMDF retificasse o edital do concurso público que a corporação vai realizar este ano. A orientação do MP era que o número de vagas destinadas às mulheres fosse ampliado, para que a seleção ficasse de acordo com a Lei nº 9.713/98, segundo a qual deve haver reserva de 10% das oportunidades para as mulheres em seleções militares.
A PM acatou a recomendação e publicou a retificação no Diário Oficial do Distrito Federal no último dia 2. Além disso, a corporação se comprometeu a criar uma comissão para avaliar a situação da mulher dentro da PM. "Dependendo do resultado dessa análise, a própria corporação pode propor um projeto de lei para alterar o quantitativo mínimo imposto às candidatas. A lei tem 20 anos e já é antiga, o policiamento é diferente de hoje", diz Nísio Tostes, um dos promotores que assinou a recomendação.
O MP estuda, ainda, segundo Tostes, a possibilidade de avançar no assunto e questionar no Supremo Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade da Lei nº 9.713/98, criada há 20 anos. No documento encaminhado à PM, o órgão afirma que "negar o direito da mulher de concorrer à totalidade das vagas previstas no edital constitui flagrante vício de inconstitucionalidade material, pois a Carta Magna permite apenas discriminação positiva, para garantir e efetivar direitos".
Um terceira iniciativa para ampliar o número de mulheres nas corporações é o Projeto de Lei 6.299, do deputado Cabo Sabino (PR/CE), que propõe que a reserva para mulheres em concursos na área de segurança pública seja de 25%. O projeto também prevê que as candidatas concorram tanto às vagas reservadas quanto às vagas de ampla concorrência, de acordo com a classificação no certame. "Hoje, é possível encontrar mulheres em diferentes atividades, desde o comando até o operacional. No entanto, a maior parte delas continua atuando em postos administrativos", afirma o deputado, cujo PL aguarda parecer da relatora, a deputada Gorete Pereira (PR/CE).
O que especialistas dizem sobre o tema
"A tão almejada isonomia está longe"
"Em pleno século 21, a simples existência de uma lei como essa demonstra o quão longe se está de atingir a tão almejada isonomia entre os sexos. A Lei nº 9.713/98 veio para unificar os quadros e, em tese, acabar com esse tratamento restritivo, contudo, fez justamente o oposto, estabelecendo às claras uma política discriminatória contra a mulher ao limitar o número de policiais do sexo feminino a apenas 10% do efetivo."
Maria Elizabeth Rocha, ministra do Superior Tribunal Militar (STM)
"Inconstitucionalidade da Lei 9.713/98"
"A Constituição Federal estabeleceu, em seu artigo 5, que trata dos direitos e garantias fundamentais, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Essa norma possui aplicabilidade plena. Nesse viés, não há dúvida quanto a inconstitucionalidade da Lei 9.713/98, que estabelece limite máximo de 10% para fins de ingresso nos quadros da PMDF por parte de mulheres, ainda que haja, sob a ótica do militarismo, alguma razoabilidade para isso. Não obstante, a referida lei possui presunção de constitucionalidade até que seja declarada inconstitucional pelo tribunal competente. Ou seja, a sua não observância, por parte dos responsáveis pela PMDF, pode gerar, a posteriori, eventual alegação de improbidade administrativa. Assim, não caberia ao MPDFT solicitar, na minha visão, o descumprimento da lei. Pelo contrário, caberia a referida instituição fomentar a propositura de eventual Ação Direta de Inconstitucionalidade para que a suposta ofensa à Constituição seja sanada.”
Max Kolbe, advogado, membro da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB-DF
"Cultura preconceituosa e machista"
"O concurso reflete uma construção cultural de que o homem é mais forte fisicamente que as mulheres. E a nossa cultura é desigual, preconceituosa e machista. Quando se pensa em policiais, é comum se pensar no policial homem e não na policial mulher. Acredito que esse percentual de vagas femininas, assim como as cotas para negros, é uma desigualdade necessária para corrigir uma desigualdade de gênero da nossa sociedade."
Silvia Badim, coordenadora dos Direitos das Mulheres na Diretoria à Diversidade da Universidade de Brasília (UnB)
"Percentual tão pequeno não se justifica"
“Seria bom o MP propor uma Ação de Inconstitucionalidade porque se trata de um teto desproporcional. A justificativa de que as atividades do cargo não são incompatíveis com o gênero feminino não procede, basta ver o quadro das Forças Armadas, se assim fosse não haveria mulheres em combate. As mulheres são competentes e tem capacidade física para tal. É preciso que elas concorram em pé de igualdade com os homens e que esse teto seja mais igualitário.”
Denise Vargas, professora especialista de direito constitucional para concursos públicos do Gran Cursos Online