Concurso, CorreioWeb, Brasília, DF

Novas regras para concursos tramitam no Senado; uma delas limita cadastro reserva.

Instituídos pela Constituição Federal de 1988, os certames para ingresso em órgãos governamentais não contam com regimento ou lei normativa. Nova proposta legislativa tenta sanar essa carência e estabelece que o número de vagas do edital deve ser igual ao quantitativo de cargos vazios no órgão

30/07/2017 07:54 | Atualização: 01/08/2017 16:00

Ana Paula Lisboa

Pedro França/Agência Senado
"Essa proposta não tem malandragem nenhuma, ela só visa acabar com a máfia dos concursos, a máfia das empresas que só veem os certames como forma de ganhar dinheiro", diz Paulo Paim, senador
No Brasil, os concursos públicos como conhecemos hoje foram instituídos pela Constituição Federal de 1988. O artigo 37 definiu os certames como porta de entrada padrão para o trabalho em órgãos governamentais e criou algumas regras. No entanto, de lá para cá, durante a execução de diversos processos seletivos públicos, foi possível observar que as normas carecem de atualização. O Poder Legislativo vem tentando estipular novos princípios para a questão (veja quadro Outras propostas). Uma das mais recentes tentativas é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 29/2016, que pretende alterar as regras para a realização de concursos no país e, se aprovada, pode ter grandes impactos tanto para os órgãos governamentais quanto para os concurseiros.
 
O documento, de autoria de 27 senadores, estabelece que o número de vagas ofertadas em editais de seleções deve ser igual ao número de cargos realmente desocupados na instituição, que fica obrigada a preencher essas vagas. A proposta também veda a abertura de certames exclusivamente para formação de cadastro de reserva e a quantidade de vagas ofertadas nessa modalidade não poderia exceder 20% das oportunidades efetivas oferecidas. Ficaria proibido ainda o lançamento de concurso quando houver candidatos aprovados não convocados em certame anterior dentro do prazo de validade.

Outra alteração importante seria com relação ao período de validade dos editais, que passaria a ser de dois anos, prorrogável uma vez por igual período. Desde março, o documento está pronto para ser votado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, com relatoria do senador Ivo Cassol (PP-RO), que avaliou a proposta como constitucional. O senador Paulo Paim (PT-RS), o primeiro signatário da PEC, espera que o texto tramite ainda este ano. “Essa proposta não tem malandragem nenhuma, ela só visa acabar com a máfia dos concursos, a máfia das empresas que só veem os certames como forma de ganhar dinheiro”, afirma. “O objetivo é moralizar e regulamentar o concurso”, completa. Renato Saraiva, vice-presidente da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), não tem posição formada sobre a PEC nº 29/2016, mas ressalta que ela vem para atender uma necessidade gritante: regimentar os certames.

“Não existe regra ou lei federal que regulamente os concursos. Existem algumas legislações estaduais, como a de Goiás, mas não uma nacional, o que abre brecha para muitos problemas”, percebe. “Hoje, tem banca que lança edital com provas daqui a 40 ou 50 dias, um prazo pequeno. Não há norma sobre o que acontece com mulheres grávidas em testes físicos. Cada uma faz o que quer”, observa. “É preciso ter limites, transparência e regras claras também para evitar fraudes — por exemplo, seleções municipais em que o prefeito e a primeira-dama foram os primeiros colocados…”
 

Argumentos

Paulo Paim defende a PEC nº 29/2016 por uma série de motivos. “Primeiramente, ela protege os concurseiros, ao impedir o estímulo à indústria do concurso”, garante. “Cria-se um mundo da ilusão quando promovem certames e não preenchem as vagas, muitas vezes usando a desculpa do cadastro de reserva. Depois, cobram novas taxas de inscrição enquanto há aprovados que não foram chamados”, critica. “Queremos fazer com que as vagas anunciadas tenham que ser preenchidas e, enquanto elas não forem preenchidas, o órgão não pode fazer outro concurso”, explica. Segundo André Alencar, professor de direito constitucional e de processo legislativo no Gran Cursos Online, “a grande vantagem da PEC é o fato de ela tornar regra jurídica chamar os aprovados dentro do número de vagas”.

Outro ponto positivo seria a limitação do cadastro de reserva. “Isso evitaria que os concursos coloquem as oportunidades de má-fé, sem interesse de contratar verdadeiramente, apenas para arrecadar dinheiro”, conta. Ele, que é advogado e especialista em direito público, pondera, porém, que a eliminação dos certames exclusivos para cadastro de reserva poderia ter uma consequência negativa. “A saída de servidores não é previsível e, no máximo, quando houver muitos desligamentos ou aposentadorias, o órgão poderia ter problema. Mas é uma eventualidade tão rara que não merece atenção”, pontua.

Contratação mandatória

Além dos concurseiros, outra grande beneficiada com a aprovação da proposta, segundo Paim, seria a própria administração pública. “Ela é a parte mais interessada, pois fica prejudicada quando pessoas passam e não são contratadas.” Como exemplo, ele cita a carência de pessoal em diversos órgãos. “Hoje, são 900 fiscais do Trabalho e precisaríamos de mais de 10 mil. Sem esses trabalhadores, o governo e a população ficam desatendidos”, diz. Na visão do senador gaúcho, a obrigatoriedade de contratar os aprovados não resultaria em problemas financeiros para o Estado. “Está mais do que comprovado que o servidor público mais rende do que gasta, ele é investimento”, garante.
 
“Os auditores fiscais, por exemplo, conseguem arrecadar muito do que é devido à Previdência e, com mais pessoas concursadas, poderiam ter um rendimento ainda melhor”, prevê. O professor de direito André Alencar ainda complementa ao dizer que o governo não sairia prejudicado caso determinadas vagas deixassem de ser necessárias. “Isso é muito fácil de resolver, ainda mais no Poder Executivo, que pode extinguir cargos vagos por decretos. Mais tarde, se a necessidade voltasse a aparecer, eles poderiam ser recriados por meio de lei”, diz. “O que não dá é para obrigar uma instituição pública a abrir concurso sem previsão orçamentária: se a receita dela não supre aqueles empregos, não tem como obrigar a fazer certame”, pondera.

Período ampliado

Lana Silveira/Esp.CB/D.A Press
O médico Fabrício passou no mesmo concurso duas vezes e ainda não foi convocado: se as regras da PEC valessem na época, teria vaga garantida

Ao estender o prazo de validade das seleções, o senador Paulo Paim acredita que o governo poderá economizar e, assim, chamar todos ou quase todos os aprovados. “Você deixará de ter um gasto exagerado fazendo um novo concurso desnecessário, sendo que há pessoas prontas para serem convocadas.” André Alencar, professor de direito constitucional e de processo legislativo no Gran Cursos Online, ressalta que a mudança de validade não seria tão grande, mas traria efeitos significativos. “O prazo inicial passaria de até dois anos para dois anos. Isso seria útil para o órgão, pois, se houver uma grande saída de servidores ou expansão, ele teria gente para convocar”, diz. “Além disso, com mais prazo para convocar, a administração evitaria custos, por exemplo, de ministrar cursos de formação e, depois, não poder empregar os aprovados.”

Esse problema marcou a vida de Fabrício Duarte Caires, 41 anos. Ele passou nos concursos para médico-legista da Polícia Civil do Distrito Federal duas vezes: em 2008 e em 2014. Na primeira vez, chegou a fazer o curso de formação obrigatório, mesmo assim, não foi convocado. Após passar no certame de novo, concluiu essa capacitação novamente, agora, aguarda a convocação e é membro da Comissão de Médicos-Legistas Aprovados no Concurso de 2014. “É antieconômico gastar ministrando curso de formação (com mais professores, materiais e estrutura), repassando informações sensíveis a quem não vai fazer parte da corporação”, critica. “Sou repetente. Em 2008, chamaram até o 27º aprovado e eu era o 30º. Agora, eram 20 vagas efetivas e 40 de cadastro de reserva e eu fiquei na 24ª posição”, relata. O prazo de validade de ambos os concursos era de um ano prorrogável por igual período.


“Se, na época, essa PEC estivesse valendo, eu teria sido convocado da primeira vez. Fui vítima de prazos muito curtos”, afirma. “Além disso, a minha vaga nem seria de cadastro de reserva, que passaria a ser de no máximo 20% das chances efetivas. A PEC está querendo dizer que o cadastro de reserva é cruel e que é preciso estabelecer algo razoável”, diz. O médico, servidor da Secretaria de Saúde do DF há nove anos, espera que, se a PEC entrar em vigor, também diminua a quantidade de processos abertos na Justiça por pessoas que exigem ser empossadas. O senador Paulo Paim vê um grande problema em situações como a enfrentada por Fabrício. “Quando se é aprovado e até chamado para um curso de formação, subentende-se que a pessoa será contratada. Ao não fazer isso, você corta sonhos e esperanças dos concurseiros e deixa a população desassistida”, analisa o parlamentar.

 

Outras propostas

A PEC nº 29/2016 retoma o que foi discutido na PEC nº 48/2004, que acabou arquivada. Alguns dos objetivos dela aparecem repetidos no substitutivo da Câmara dos Deputados nº 12/2015 ao Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 122/2008 (o qual aguarda designação de relator), que estabelece que concursos para cargos e empregos públicos federais deverão indicar o quantitativo de vagas para provimento, veda a realização apenas para formar cadastro de reserva e confere direito à nomeação dos aprovados no limite das vagas, não computadas as desistências.


Além dessas propostas, há muitas outras que pretendem regular concursos públicos. A PEC nº 75/2015 (pronta para deliberação no Plenário do Senado desde julho do ano passado) visa criar uma lei geral para os certames. A PEC nº 130/2015 (pronta para deliberação no Plenário do Senado desde outubro do ano passado) pede que seja suspenso o prazo de validade de concurso público quando a administração suspender nomeações ou a realização de novos concursos públicos.

Fala, concurseiro

Lana Silveira/Esp.CB/D.A Press

Bruna Cristine, 23 anos, bacharel em direito pela Universidade Paulista (Unip)
“Não acho que a PEC seja uma boa ideia. Tirar o cadastro reserva não é a solução. Se eles conseguirem realmente que chamem o número de vagas que nem pretendem os autores da PEC, seria bom. O cadastro reserva ajuda o concurseiro, então acaba sendo meio a meio: não é ruim, mas também não é muito bom. O que me fez começar a prestar concursos públicos é que tenho muita vontade de ser policial. Normalmente estudo no horário de almoço do trabalho — sou auxiliar administrativa no negócio imobiliário dos meus pais — e, quando chego em casa, continuo a rotina de preparação. O que me ajuda são videoaulas.”

Lana Silveira/Esp.CB/D.A Press

Vanessa Cardoso, 23, aluna do 10º semestre de arquitetura na Universidade de Brasília (UnB), estagiária no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
“Concordo com a ideia de não iniciarem outro certame até todas as vagas do anterior serem preenchidas porque os concurseiros investem nos exames e tem gente que até vem de outros estados para tentar uma chance. Meus pais são assistente administrativa e vigilante da Secretaria de Estado de Educação, minha família toda praticamente é de servidores. Faço cursinho pela manhã todos os dias, com exceção da quarta-feira, quando vou para a universidade. Meu objetivo é entrar em uma vaga na minha área (arquitetura) e me interesso atualmente pelos concursos que devem abrir, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (Cdhu) e da Câmara Legislativa.”

Lana Silveira/Esp.CB/D.A Press

Rarison Erlevi,
advogado, trabalha como técnico em secretariado na Defensoria Pública da União (DPU)

“Para mim, é excelente acabar com o cadastro de reserva porque ele gera uma expectativa para tomar posse do cargo: você pode ser chamado quando forem surgindo vagas, mas e se essas vagas jamais vierem? Para os órgãos, o cadastro de reserva é bom, pois a administração pública não é obrigada a chamar os aprovados. Hoje, viso ao próximo concurso do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e, daqui a três ou quatro anos, para o Ministério Público. Minha meta é me tornar promotor.”

Lana Silveira/Esp.CB/D.A Press

Anne Cellos,
25 anos, pedagoga, atua como professora temporária na Escola Classe 116 de Santa Maria

“Estudei para o concurso da Secretaria de Estado de Educação do DF, passei em oitavo lugar e aguardo ser chamada. A preparação foi muito difícil, estava exausta, estudava durante o intervalo do trabalho, fazia resumos e resolvia questões regularmente. Até dou uma dica para quem quer prestar concurso público: resolva exercícios. Foi o que me ajudou a passar. Acho a PEC interessante porque ela acaba com concurso só para cadastro de reserva e obriga os órgãos a convocarem. Fazer uma prova demanda tempo, estudo, e a ideia de não ser chamado é complicada.”

Lana Silveira/Esp.CB/D.A Press

Jeniffer Suzarte,
28, educadora física e pós-graduada na área
“Aparentemente, a PEC nº 29/2016 seria boa para o concurseiro porque garantiria vaga para quem fosse aprovado, o problema é que, no Brasil, nada funciona como dizem. Além disso, com a PEC nº 241/2017 (que limita os gastos públicos), sobrarão poucas oportunidades para o concurseiro. Quando decidi prestar concurso público, foi pela estabilidade. Em 2011, cheguei a passar no concurso do Metrô, mas nunca fui chamada. Hoje trabalho na Academia Nova Geração como professora, estudo duas horas por dia com videoaulas e exercícios de provas anteriores de algumas bancas e quero tentar o concurso da Polícia Militar quando sair o edital.”

 

*Estagiário sob a supervisão de Ana Paula Lisboa


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