Concurso, CorreioWeb, Brasília, DF

Servidores públicos: os fiéis representantes da classe média brasiliense

Estabilidade e benefícios diversos atraem cada vez mais pessoas para as empresas públicas, responsáveis hoje por metade de toda a renda de trabalho gerada no DF

09/02/2015 09:43

Maryna Lacerda

Daniel Ferreira/CB/D.A Press
O fato de Joseane Salmito e Felipe Sitônio serem servidores ajudou os namorados a planejar viagens e até o casamento
Os mais críticos costumam dizer que, em Brasília, a vontade de ser servidor é um vírus que está no ar. Exageros à parte, as estatísticas mostram que parcela significativa da população faz essa opção e não a troca pelo sucesso na iniciativa privada. Além de bons salários, benefícios, como abono, férias parceladas e taxas mais baixas de financiamento, são atrativos para quem deseja integrar os quadros do governo.

A representatividade desse público é percebida no cotidiano e no desempenho econômico do território. Dos R$ 70 bilhões gerados pela renda de trabalho — aquilo que provém dos salários da população durante um ano —, pelo menos R$ 35 bilhões correspondem ao rendimento de servidores e funcionários de empresas públicas. Eles compõem as classes média e média alta da cidade, explica o presidente da Companhia de Planejamento do DF, Júlio Miragaya. “São aqueles que fazem viagens dentro e fora do país, que têm pelo menos um automóvel, que movimentam o comércio e os serviços da região.”

O topo da pirâmide é ocupado pelos grandes empresários, como os do setor imobiliário. “Esses, sim, têm renda muito acima da do setor público”, descreve Miragaya. Considerando apenas a população ocupada, ou seja, aquela que desempenha atividade remunerada, são 22% de servidores e empregados públicos no DF, de acordo com dados da Codeplan. Em números absolutos, significa que dos 1,1 milhão de trabalhadores, 238 mil são da esfera local.

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As projeções dão conta de um ano cinzento para a área dos concursos no país. A opção de Andréia Silva Soares, 28 anos, foi poupar uma parte do salário que recebeu como professora em contrato temporário da Secretaria de Educação do DF para custear o período em que se dedicaria à preparação para as provas. No início do ano passado, ela e o namorado, Bruno Amorim Gonçalves, 32, se inscreveram no preparatório. “É um plano de vida, que tivemos que combinar com a família, porque sabíamos que nos ausentaríamos nesse período, que deixaríamos de receber para gastar. Felizmente, meus pais já passaram; por isso, sabem como é difícil”, detalha.

A parte boa nesta caminhada é ter a companhia de Bruno. “A gente estuda junto, se apoia”, diz. Uma vez aprovados o objetivo do casal é retomar outros projetos de vida, por ora suspensos. “Quero estruturar minha vida. Não tenho planos de viagem, de compra. Acredito que isso tudo é resultado da estabilidade financeira”, diz Andréia. Já para Bruno, tornar-se servidor é a chance de poder se dedicar à música. “Pretendo alimentar mais meu hobby.” A preparação é algo que vai além da esfera pessoal, concorda a coordenadora-geral de um curso preparatório da capital Ranil Aguiar. “É importante ter o suporte da família. A pessoa que opta pela dedicação integral ao estudo para concurso não está à toa; ela precisa de tempo e concentração para fazer isso”, destaca Ranil.

Remediados
Mesmo quando o improvável acontece — o Estado atrasar o pagamento, por exemplo —, as dificuldades são menos drásticas, quando comparadas às de quem atua na iniciativa privada. Sem receber 13º salário e vendo o vencimento de dezembro ser pago apenas no mês seguinte, os professores da rede pública distrital Jussara Batista, 44 anos, e Ilton Barroso, 51, adiaram compromissos e suspenderam planos. “A gente ficou com a situação bem comprometida. Havíamos planejado uma viagem para o Rio de Janeiro, que foi cancelada. Começaríamos uma reforma, mas tivemos que suspender por tempo indeterminado”, diz Jussara. O que evitou a família passar por privações mais severas foi uma linha de crédito acionada dias antes de a crise estourar.

Apesar da frustração, os dois se dizem satisfeitos com a escolha profissional. “Pretendo me aposentar como servidor. Me trouxe satisfação profissional, porque a gente pensa em estabilidade no trabalho. Mas quem quiser ficar rico não consegue”, brinca Ilton.

Relacionamento na rede
O site Namoro Estável existe há pouco mais de dois anos e tem 25 mil usuários, a maioria de Brasília. “Queremos que as pessoas encontrem um relacionamento amoroso sadio e saiam do site para viver um romance não virtual”, afirma o fundador da página, Maicon Santos, 31 anos. Segundo Santos, 60 mil mensagens já foram trocadas entre os participantes. A faixa etária predominante é dos 20 aos 40 anos e podem se inscrever servidores dos governos federal, estadual e municipal.

Palavra de especialista > Uma questão cultural

“Nossa matriz econômica é o serviço público, o que faz com que as formações específicas, como as engenharias e as de tecnologia, não tenham tanto espaço no mercado daqui. Com isso, esses profissionais encontram dificuldade de se posicionar no setor privado. Além disso, criou-se uma cultura de que todos têm que ser servidores, o que faz com que as pessoas temam empreender. A tendência é que, com o tempo, a economia se diversifique. No entanto, a cultura é muito forte e a procura por uma carreira pública começa cada vez mais cedo. Vemos até casos de inversão, em que o estudante termina o ensino médio e, em vez de entrar em cursinho pré-vestibular, vai para o preparatório para concursos. Assim, uma vez aprovado no serviço público, tentam acesso ao curso superior.”

Rafael Barbosa é professor de administração geral e pública no IMP Concursos

Amor na estabilidade
Ainda que o cargo público não seja fator para que os relacionamentos se estabeleçam, quando o casal vem da carreira pública, a possibilidade de ter uma vida com bem-estar é maior. Do encontro casual, em um restaurante, para as viagens de Joseane Salmito, 33 anos, e Felipe Sitônio, 28, foram três meses. A união começou pelo encantamento mútuo. A segurança financeira dos cargos nos ministérios do Esporte e da Pesca e Aquicultura possibilitou ao casal realizar o que recém-namorados tanto desejam: momentos a sós em belos destinos. Em novembro do ano passado, fizeram a rota romântica na Serra Gaúcha. Em dezembro, passaram o réveillon em São Luís. “Sermos servidores foi coincidência, mas, no dia a dia do relacionamento, é algo que ajuda. A gente tem segurança e pode se planejar para viagens, para estruturar a vida”, diz Joseane.

Oferecer acesso a cursos e intercâmbios para os filhos foi a conquista que Antônio Andrade de Carvalho, 48, e a mulher, Lourdes dos Santos Carvalho, 45, destacam como fruto da estabilidade adquirida no serviço público. “Entramos no mesmo período no Superior Tribunal de Justiça, há 15 anos. Decidimos nos casar pela afinidade. O fato de sermos servidores abriu oportunidade para que pagássemos uma boa escola de inglês para os dois filhos e que a mais velha pudesse passar um mês na Inglaterra”, diz Antônio.

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